sábado, 31 de março de 2012

Passividade ou Resposta? Escolhas (in) viáveis dos partidos de esquerda.

Os escritos que se seguem almejam contemplar a configuração do cenário político, para a esquerda, entre as décadas de 20 e 60 (aproximadamente) do séc. XX. O objetivo central é apresentar como elementos objetivos da realidade constrangeram os horizontes político, social e econômico dos partidos que construiu sua agenda a partir dos escritos do velho Marx (e Engels) e de outros marxistas como Lenin, Gramsci, Rosa Luxemburgo, Trotski, etc. Algumas reflexões acerca da relação entre capitalismo e democracia, partidos políticos e o jogo político e questões éticas que tangem aos partidos serão abordadas no decorrer do post.
As décadas que correm entre 20 e 60 foram consagradas por fatos que vieram a marcar para sempre a história da humanidade. Basicamente: 1)Primeira Guerra Mundial, a qual, muitos atribuem a característica de guerra mais sanguinária já vista; 2)Organização de governos Fascistas 3)Revolução Russa, de onde arquiteta-se os meios para se alcançarem o socialismo; 4)Crise de 29; 5) Organização de governos nazifascistas; 6)Segunda Guerra Mundial e a vitória da democracia.
A organização da esquerda política se viu constrangida em todos esses momentos históricos. Por constrangido devemos entender que características estruturais configuram-se como fronteiras bem delimitadas para os planos práticos desse movimento. A primeira Guerra Mundial, assim como a Segunda, criou uma demanda emergencial para cobrir a guerra, ou seja, tudo que se produzia entre os países que estavam disputando a hegemonia tendia ao gládio entre nações. Com exceção da URSS que se retirou da guerra, ocupando-se com a Revolução interna que revirava o antigo sistema de dominação tradicional feudal, cuja soberania personalizava-se no Tzar. Segundo Przeworski, ao se fazer a Revolução Russa, o Estado organiza-se burocraticamente, encarna a função de "espinha dorsal", "cérebro social" do Estado Funcional Durkheimiano, ou seja, o novo Estado passa a organizar a sociedade, seus recursos, sua produção, sua economia, assumindo um capitalismo de Estado, cujo corolário se deu com a stalinização dos movimentos sociais e organizações políticas. A burocracia segundo Weber é uma característica do Estado Moderno, porém, uma "jaula de ferro". O Estado passa a se organizar como uma empresa, organização típica da burguesia. Tais características criam constrangimentos para o movimento socialista.
A crise de 29 aparece como um período em que se abre espaço para a vitória da ideologia socialista, mas também, por outro lado, cria espaço para o fortalecimento e manutenção da ideologia capitalista. Quando os níveis de desemprego apresentam-se incontáveis os discursos socialistas soam bem aos ouvidos daqueles que sentem as dores da crise, inclusive se propostas de cobrir demandas imediatas são criadas. Por outro lado, dá espaço para que o Capitalismo reforce suas estruturas mostrando que é capaz de "superar" crises, e projetar políticas econômicas de resultados eficazes, como a política Keynesiana.
O advento de governos nazifascistas neutralizou os projetos de movimentos de esquerda. “Intelectuais orgânicos” foram presos, organizações de esquerda eram proibidas, entre outras medidas que foram baixadas sobre eles. Já que falamos em “intelectuais orgânicos” é válido abrirmos um parêntese para incluir outro elemento que marcou os partidos socialistas: o constante academicismo do marxismo como disciplina filosófica. Se lembrarmos que o velho Marx iniciou seu projeto nas discussões filosóficas e os direcionaram para a práxis, podemos obervar em contraposição que os “marxistas ocidentais” nem sequer, com exceções de Gramsci (engajado politicamente), deram importância para a práxis, não trasbordaram a filosofia, mas tinham ela como finalidade em si. Para Gramsci, era necessário coadunar intelectuais e trabalhadores. Os intelectuais teriam como função traduzir a ideologia do sistema para que ideologicamente o proletariado se organizasse e conquistasse a hegemonia. A esfera da ideologia assume importantes dimensões para a contra cultura proletária.
O fim da segunda Guerra mundial, a priori, e depois o fim da Guerra Fria marcada pela queda do muro de Berlim teve como corolário a vitoria do sistema capitalista e da democracia como valores universais. Claro que tiveram países que optaram pelo “socialismo”, como Cuba. Acumulando muitas derrotas ao longo da história, a esquerda organizada teve de se render a algumas questões: devemos ou não jogar esse jogo burguês do Estado de direitos? Quais serão nossos objetivos? Fazer da democracia um meio ou uma finalidade? Se ganharmos o jogo, será que eles aceitarão a legitimidade governo? Além de perguntas, haviam fatos previstos para a entrada dos partidos socialistas na democracia: se nós contemplarmos com propostas políticas apenas a classe operária nós não alcançaremos o poder, uma vez que o jogo se define pela conquista da maioria (50% +1), logo, se visarmos atingir outras classes romperemos o sentido fundador do partido. Só havia duas cartas à mesa, e a escolha não era coerciva.
Uma vez que as demandas dos proletários eram de caráter imediato, a esquerda opta por entrar no sistema e lutar não mais pela revolução. A democracia torna-se uma finalidade para a esquerda, não mais um meio como antes. Abandonado o ideal revolucionário, as reformas surgem como horizonte possível. Pensava-se em garantir via sistema mudanças estruturais no próprio sistema. Mas isso não resiste à hegemonia do capitalismo. Posto que o capitalismo repouse sobre todas as consciências, não é tarefa fácil atuar junto ao proletário mais vulgar nadando contra a corrente. O capital é mais eficaz. Se as reformas não são aprovadas, resta lutar por garantir direitos trabalhistas, sociais e políticos. É isso que fazem com que eles se organizem como partido socialdemocrata.
Todos nós jogamos com a realidade posta. A esquerda teve que jogar com ela. É necessário que saibamos ler a história, assim como recomendou Maquiavel em O Príncipe. Estratégias devem ser traçadas para que fins sejam alcançados. Os fins não justificam os meios. Às vezes é necessário ceder a algo extraordinário para poder ganhar. Política é luta, violência, disputa. Não há espaço para caprichos, a não ser que você esteja por cima, caso contrário, bailará. A esquerda apenas respondeu a realidade da forma que leu-a. Não foi passível diante dela. Há quem tautologicamente afirma que se a esquerda se conservasse como vanguarda conseguiria resultados mais pontuais; outros, pensam o oposto. Não estamos aqui pensando no se, mas no como deve ser, o atual, o que exige análise diária.