segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Os negros não são os mesmos depois de Gilberto Freyre


O papel do negro na sociedade brasileira deve ser pensado sob diversos pontos históricos: o primeiro pelo o papel desempenhado por eles no regime escravocrata, da "Casa Grande & Senzala" e o segundo, no pós 1888, quando são inseridos marginalmente na vida urbana. No primeiro momento essas pessoas de cor eram estigmatizadas como escravas, e a partir desse rótulo sofriam as maiores barbaridades do regime (submetidos a várias horas de trabalho braçal forçado, sem descanso, péssima alimentação, sem nenhum direito, apenas o de chorar quando levado ao pelourinho). Em desacordo com Gilberto Freyre nesse ponto, não acredito numa relação "doce", "harmoniosa" que este observa na relação escravo- senhor(a), mesmo quando no espaço doméstico, mas não posso descordar que nossa política social para com esse povo de cor não era a mais brutal do mundo. Só no Brasil conheço casos (por meio da literatura de Aluizio de Azevedo) em que escravas vestiam longos vestidos que caracterizavam a nobreza, conforme o gosto de suas “madames”. O rigor distintivo cultural não era tão rígido. Em oposição ao Brasil temos exemplo do Apartheid Norte-americano e Sul- africano. Por se configurar de maneira singular na história, como dito acima, Gilberto Freyre optou por retratar a escravidão brasileira mais pelo seu lado doméstico, que para ele chegava a ser “doce”, “hamônico”.
Acredito ser esse um dos pontos perecíveis da obra de Freyre: não deter seu olhar sociológico para o escravo da Senzala como merecido. Contudo, não podemos esquecer o que a obra de Freyre ("Casa Grande & Senzala") tem de essencial: um reconhecimento desse povo de cor e todos os elementos culturais, sociais e políticos que herdamos deles e que estão vivos até hoje.
Contudo, a história do negro não pode ser só marcada como a história escravocrata brasileira, mesmo que essa represente 1/5 de nossa história e ainda hoje, com todo movimento abolicionista do pré 88, sofremos com efeitos deletérios daquele passado sombrio, que nada havia de “doce”. Com o fim (em tese) da escravidão, a dialética ganhou novas características, não mais acentuadas por escravos e senhores de engenho (já em crise naquele período), mas agora entre pretos e brancos. É no mesmo século XIX que teorias de cunho raciais e racistas (Oliveira Vianna em “Populações Meridionais do Brasil” in http://www.observadorpolitico.org.br/2011/07/grandes-ironias-sobre-a-questao-racial-%E2%80%93-parte-i/ e http://www.observadorpolitico.org.br/2011/07/grandes-ironias-sobre-a-questao-racial-%E2%80%93-parte-ii/) ganham forças entre intelectuais e acadêmicos de todo mundo. A miscigenação do Brasil, do contato entre os povos de cor e os brancos, era como uma cólera social. Inicia-se assim a política de “descoloração” populacional. Resumindo: o Brasil só de brancos e só para brancos.
A “liberdade” adquirida pelos negros em quase nada serviu para eles. Mudou-se apenas o sistema de dominação, atualizado pela oligarquia nacional em virtude de pressões capitalistas internacionais que pregavam que a mão de obra livre era mais barata e rendia muito mais e pressões nacionais de abolicionistas com força política. Sem trabalho, sem se alimentar, sem nenhuma dignidade, eles foram forçados a se marginalizarem, sofrendo com os imperativos do abismo social da época.
É ai que entra em cena Gilberto Freyre com todo seu amor pelo escravo, pela negra, pela mulata, resgatando tudo de melhor que já produziram e com uma lição de sociologia perene: É impossível pensarmos a história do Brasil sem conhecermos que são essas pessoas, esse povo, pilares da nossa sociedade. Tudo bem que apenas reconhecimento não basta e nesse aspecto concordo fielmente com Nancy Fraser. Há de se fazer mais por eles, focar numa política redistributiva, mas para isso é preciso ter em mente que as estruturas sociais são outras, totalmente diferentes daquelas que conhecemos do período escravocrata. Deve-se inserir assim, o negro na sociedade capitalista para que se possa buscar medidas afirmativas eficazes. Os negros não são os mesmo depois de Gilberto Freyre.
Queremos dizer com isso que não mais apenas a cor é um elemento determinante na vida social. A condição social, econômica, política e cultural, juntas assumem corpo na classe social, principal elemento que distingue pessoas. Porém, ser negro influencia muito nas formas de se relacionar na sociedade. Há omito de que negro de classe alta não sofre preconceito. Mentira! Aposto firmemente que as pessoas (no geral) estranhariam um negro dirigindo uma BMW, ou qualquer carro importado que seja. Provavelmente seria motivo de desconfiança, julgado a partir de bases preconceituosas cristalizadas em nossa vida social. O mito da ascensão social é quebrado quando apontamos que há uma distancia real entre brancos da classe A e negros da mesma classe. Uma pergunta que devemos deixar para que possa incitar a discussão é: porque a maioria das pessoas pobres é negra? Acreditar em meritocracia seria reforçar ainda mais a tese racial já vencida academicamente.
Sendo assim, o aspecto “cor”, que em muito é tratado por acadêmicos geneticistas deve ganhar maior destaque na trama social, pois é nela que faz “Neguinho da Beija Flor” ser chamado de “Neguinho” e não de “Europeuzinho da Beija Flor” (uma vez que um estudo apontou que 70% do tipo genético do ilustre sambista é de origem Europeia).
Gilberto Freyre nos lançou uma missão a qual não devemos abandonar, mas lutar com unhas e dentes: não apaguem da história aqueles que a fizeram, seja em qual período for. Assim a literatura fez por muitos anos. Falta a ciência. Os negros não são os mesmo depois de Gilberto Freyre. Não conseguimos pensar o povo brasileiro sem essa cor.