quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Como o Idealismo matou o Jornalismo


Precisamos repensar o jornalismo. É com essa frase que abro esse texto, por um motivo óbvio, creio que nossa reflexão sobre a produção jornalística não é capaz de captar a realidade desse mundo controverso e cheio de ciladas que é o campo jornalístico. De inicio pode-se pensar que essa proposta está relacionada à nova realidade online, às redes sociais ou coisas do tipo. Mas definitivamente não são esses pontos que motivam a reflexão. Penso, sobretudo, em alguns fatos que afetaram o jornalismo. Dou destaque a dois, o caso Murdoch e a cobertura do Pan Americano feita pela Globo.
Os dois casos, em si, em nada se assemelham. Em um, estamos falando da quebra de sigilo telefônico de mais de 4000 pessoas na Inglaterra e as relações promíscuas entre um conglomerado de mídia e setores políticos interessados. No outro, a questão levantada é a do interesse público em torno de um evento, ao qual foi dado menor importância devido a disputas de audiência com a Record. Mas, ainda assim, cabe perguntar o que aproxima esses casos?
Ambos são sintomas de uma prática jornalística que não mais se pauta por valores (valores notícias e interesse público, por exemplo), mas por interesse econômico. Os ganhos, os lucros, estão acima do bem informar a população, o valor econômico passa a ser o principal na veiculação de notícias. É nesse ponto que está o grande desafio de quem se preocupa em pensar a prática jornalística atual.
A maior parte dos estudos sobre jornalismo partem de uma idéia de jornalismo pré formatada e tentam medir a realidade com essas concepções. Há a esperança de que essas idéias sejam capazes de alterar o mundo dos jornalistas. Isso tem um nome: Idealismo. A maior parte das pesquisas em jornalismo hoje em dia são idealistas e prendem-se a uma dicotomia improdutiva chamada de Bom e Mau jornalismo. Enquanto pensarmos dentro dessas perspectiva, e por meio de todo aparato por ela construído, estaremos pisando em nuvens, mas não estaremos mostrando como é de fato a realidade produtiva do jornalismo. É preciso inverter a ordem desses fatores.
O jornalismo precisa ser pensado a partir de sua produção, pois não são as idéias que descem do céu, elas são produzidas nas relações sociais, econômicas e políticas na qual um jornalista, ou uma empresa jornalística, está inserida. Pode chamar, se quiser, de Teoria Materialista do Jornalismo. Para entender o Caso Murdoch, ou a Cobertura do Pan, deve-se estar além de bom e mau. Necessita-se questionar, como as empresas se posiconam? E como isso aparece em seus jornais? Como se dão as relações de trabalho em cada uma delas? Qual foi seu método de apuração das matérias? Quais são as disputas econômicas envolvidas entre as empresas de comunicação?
Essas questões seriam capazes de construir um escopo geral para se entender um pouco melhor essa realidade do jornalismo movido por valores econômicos. A partir dessas questões entra outra fundamental, por que como disse Marx, não podemos nos limitar a interpretar o mundo, é preciso transformá-lo. Essas questão é para dar conta de uma deontologia, de um dever moral do jornalista. Veja bem não estou falando de ética, não estou falando de padrões universais. Estou falando, para que a partir da interpretação da realidade jornalística atual, propormos algo diferente. E esse “algo diferente” passa, necessariamente, pelo entendimento da realidade atual conjugada com propostas de transformação desse mundo.

Cícero Villela - Graduando em Comunicação Social na UFJF

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O plano “UPP”: ocupar sem integrar




O fato não se inicia agora, mas há alguns meses atrás com a ocupação de outras favelas que não a Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, totalmente ocupadas nessa segunda feira, véspera de feriado do dia da Proclamação da República, pelas forças que usam de forma legítima da violência para assegurar a ordem do país e estados (Polícia Militar, Civil, Forças Armadas em geral).
Acerca desses fatos gostaria de levantar algumas considerações no que tange esse processo de ocupação das favelas e da implantação de Unidades de Política Pacificadora (UPP) nas mesmas. As informações que a mídia, em particular a Rede Globo, lança aos telespectadores de plantão serão postas em comparação com a realidade de fato. Sendo assim, já desconsidero as visões que a Globo entre outras emissoras fazem desses fatos.
As informações que recebemos dessas invasões mostram que a situação da favela e das pessoas que lá residem é de extrema pobreza: não há saneamento básico, coleta de lixo precária, escolas de qualidade, acesso à saúde, segurança etc. Todas essas “ausências” e “precariedades” são de responsabilidade do Estado. O problema é que tudo isso vive sendo justificado pela presença do tráfico e traficantes nas favelas. O que tem a criação de um hospital a ver com um traficante? O que tem a ver uma educação de qualidade com o tráfico de drogas? Os problemas enfrentados pelas favelas em geral são mais pela falta do Estado do que pela presença do tráfico.
Sendo assim, qual o fundo que não quer ser tornado público sobre as UPP’s? Essas unidades são, nada mais nada menos do que medidas de repressão, que criminalizam a pobreza, que reprimem moradores e trabalhadores das favelas, que fazem um cinturão que se desenha como um cerco entre as áreas pobres e a zona sul (onde se concentra o verdadeiro Rio de Janeiro da mídia e dos estrangeiros). Os mega eventos – Copa de 2014 e o PAN – também tem influência sobre isso. Por que só agora, depois de anos que esse fato está ocorrendo sendo esse processo de tanto interesse do Estado.
Não defendo aqui a permanência do tráfico nas favelas, mas não defendo a ideia de que a presença e a força que o tráfico tem assumido seja por escolha e pela disposição espacial delas, mas pela inoperância do Estado nessas terras. “Nem bandido nem polícia, será o dia do alívio”. Esse trecho retirado da música Dia do Alívio do grupo carioca Forfun retrata bem minha posição perante esse problema, por mais utópico que seja. Por fim, concluo dizendo que todo esse projeto de melhora de vida levada as favelas por meio das UPP’s são ilusórios. Ela não leva a redistribuição, portanto não leva a integração asfalto-favela. Ela representa apenas uma dominação territorial, uma guerra maquiaveliana de ocupação e controle do território.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Comissão da Verdade / Ditadura


Acabo de ler em http://sarauxyz.blogspot.com/2011/10/argentina-condenacao-criminosos.html uma notícia que me agradou muito: os militares, atores de violência e tortura no período ditatorial Argentina foram condenados. É sempre importante resgatar na história alguns fatos que ocorreram e tentar reparar danos, mesmo que estes sejam simplórios perto dos PREJUÍZOS causados. Tal atitude só fortalece a ideia de que a Argentina, nossos hermanos, não tem medo do seu passado, mesmo quando este é perverso. Salve me engano, a ditadura Argentina foi a que mais sanguinária da América Latina.
Enquanto isso no Brasil a tal da Comissão da Verdade se mostra opaca, sem definição do que levará a público, com medo de apresentar ao país quem esteve por traz da ditadura militar, que por sinal vai muito além dos militares, quem financiou, quais os verdadeiros interesses que estiveram por traz desse "golpe de Estado", da coroação de um "bloco histórico" que surrupiou nosso país, vendendo-o a preço de banana. Até hoje sofremos os efeitos deletérios desse período, e digo: constituem ainda os eixos do nosso projeto político e econômico.
Mas qual o sentido de esquecer o passado? Com certeza esse é um dos pré requisitos para superar o atraso, o tradicional que segundo nossos "salvadores" só impedem a instauração do moderno, racional. Isso se justifica ainda mais, dentro dessa lógica, quando um país possui uma história de aproximadamente 300 anos de escravidão - país este que tem 511 anos de "história relatável"-. Deve ser isso o que se passou na cabeça de Rui Barbosa, ídolo de muitos advogados positivistas, quando mandou queimar os arquivos da escravidão. Essa dialética tradicional vs. moderno que chegou a nós como uma imposição do "centro" só traz modernização para uma classe, a que está por cima, detentoras dos mais lucrativos "ativos de produção", monopolizadores do capital. Para o restante da população (QUE É A MAIORIA) fica apenas o stigma de atrasado, delinquente, marginal. Quem produz isso é essa burguesia nacional e internacional.
Olhar para o nosso passado sem vergonha e medo do que de fato aconteceu é essencial para construirmos um país para o povo brasileiro. É por não olhar para o passado que se "cria constituição francesa para não franceses", novo código florestal para pequenos produtores e de subsistência (históricos em nosso país), entre muitas outras façanhas.
Acredito que o Brasil dará um passo muito importante tornando público e condenando os atores desse golpe contra o país, contra o povo brasileiro.

domingo, 23 de outubro de 2011

Entre intelectuais e artistas


Em uma das minhas visitas ao site www.cartacapital.com.br me deparei com uma campanha arquitetada por Fernando Meirelles - cineasta, roteirista e produtor brasileiro - reconhecido por trabalhos como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel, Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago)cujo objetivo é levar verbalizações indignadas, aos senadores, no que toca a proposta do novo Código Florestal, encampada por Aldo Rebelo (PCdoB,SP). Para tal missão, Meirelles convoca o alto escalão de atores e artistas, que entre eles estão: Wagner Moura, Lenine, Rodrigo Santoro, Fernanda Torres. Esses nomes são mais do que comuns no Brasil, de norte a sul, leste a oeste, sempre lembrados como "figuras televisivas", celebridades.
Podemos afirmar que no Brasil os diversos tipos de movimentos sociais estão na maioria dos casos associados a este subgrupo de indivíduos. Documentários sobre a ditadura militar, o movimento das "Diretas Já!", os "Caras pintadas" mostram como esse segmento se mostrou presente nos processos de mobilização social. Seja com Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Elis Regina apoiando e convocando o povo brasileira a ir as ruas contra a ditadura, seja Geraldo Vandré levantando as massas no "Festival de Música Popular Brasileira" com "Pra não dizer que eu não falei das flores". Não só nos movimentos sociais mas também nas interpretações do Brasil que vieram desde cedo nos sambas de Noel Rosa e depois com Chico Buarque de Hollanda, entre muitos outros artistas. No cinema tínhamos a grande figura de Glauber Rocha. Sendo assim, não é estranho a nós essa atividade cultural-política de atores da esfera cultural brasileira nos diversos processos e fatos nacionais. Atualmente esses papeis vem sendo mais incorporados por atores da grande mídia televisiva (massmedia).
Podemos colocar alguns questões que problematizem o tema. Uma delas é acerca do papel ideológico do artista e do tipo de ideologia que este leva em seus discursos, ações etc. Será capaz o artista de atuar como intelectual orgânico de uma classe promovendo os interesses desta e, também, despertar uma visão critica nas pessoas acerca da vida e corpo social que estas estão inseridas? Geralmente esse papeis são destinados aos intelectuais. Se recorrermos a algum autor encontraremos em Gramsci leituras que dizem respeito aos papeis dos intelectuais na sociedade. Constitui-se assim uma visão de "intelectuais públicos", que Luis Werneck Vianna faz gosto.
Portanto, uma coisa é certa: Na falta de "intelectuais públicos" a figura de ator e artista assume esse papel, tendo no Brasil uma de suas expressões.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Liberdade Seletiva


Os Estados Unidos da América, tido por vários países (inclusive por eles próprios)como centros de referência no que tange a igualdade, liberdade, modernidade, entre outros adjetivos mostra que esses mesmos adjetivos só podem ser vivenciados por seus nativos. O país dito democrático convive com o problema - assim assumido por eles - da imigração, ou seja, a entrada no país de indivíduos de outras nacionalidade, etnias, em sua grande maioria hispânicos. Medidas políticas são tomadas a anos para controlar esse fluxo migratório, seja levantando muros nas fronteiras, os mesmos escoltados pelo exército, deportando os imigrantes "ilegais", etc.
Acabo de ler na Carta Capital que lançou, no Estado do Alabama, o HB 56, parte da legislação anti imigração, que obriga as escolas a notificarem aos órgãos federais a situação dos alunos imigrantes. Essa medida teve impactos maléficos: milhares (1783 especificamente) de crianças e jovens deixaram de frequentar a escola por medo de serem, com suas famílias, despejadas para fora do país. Se a população hispânica já não está inserida de fato na sociedade norte-americana em todos seus aspectos político, social e econômico, imagine agora com a baixa do nível educacional destes. Essa medida só esquenta ainda mais o preconceito contra os imigrantes nos EUA, seja na escola com a figura do aluno estigmatizado, ou expressa nas discrepâncias das rendas desses imigrantes postas ao lado dos "nativos". Casos em que dois indivíduos - um hispânico e outro "nativo" - que ocupam o mesmo cargo numa empresa receberem salários diferentes é mais do que comum, é praticamente uma regra social. Nesse período de crise até que os norte- americanos aceitam receber os mesmo salários, mas aposto que não por muito tempo.
Outros problemas, talvez menores, mas existentes afetam diretamente a economia, uma vez que as famílias de imigrantes estão mudando do Estado deixando para trás safras e mais safras de alimentos que irão apodrecer.
Os EUA não são os primeiros a passarem por isso. Esse fato é histórico, seja no Apartheid ou mais recente na França, quando o primeiro ministro pagou uma taxa de retorno (ao país de origem) para os imigrantes que geralmente vinham do norte da África.
Um país que, como os EUA, querem se dar o luxo de serem os mais democráticos, mais livres, etc. devem, obrigatoriamente saber lidar com as diferenças de forma que os dois lados sejam atendidos e não legitimar uma tirania da maioria, como foi apontada por Toqueville e é a realidade daquele país.
Contudo, essa medida já começa a ser discutida por diversas instituições, inclusive dos professores, como a AFT (Federação Americana dos Professores; sigla em inglês).

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quem constrói as informações da mídia?



Precisamos de uma revolução na mídia brasileira. É impossível acreditar na neutralidade da mídia, ainda mais na sua liberdade de imprensa. Esse segmento adora reivindicar sua liberdade de imprensa para poder sensurar seus próprios funcionários. Esse não é o primeiro caso . Lembro logo do caso de Maria Rita Khel, demitida por "um delito de opinião" (palavras dela). Esta psicanalista foi demitida, após expor sua opinião acerca do "Bolsa Família", (ver http://diogotourino.blogspot.com/2010/10/dois-pesos-maria-rita-kehl-o-estado-de.html ) do Estado de São Paulo (Estadão). Quando o ex-presidente Lula afirmou que a mídia atua como partido, esse segmento se sentiu a classe mais ofendida do mundo: ofendidos pela verdade. Paro por aqui com uma pergunta para que todos reflitam: QUEM CONSTRÓI A INFORMAÇÃO QUE CHEGA A SUA CABEÇA? OS FATOS EM SI OU O QUE UMA CLASSE QUE INTERPRETA ESSES FATOS, TENDO SEUS INTERESSES COMO PONTOS FULCRAIS DESSA INTERPRETAÇÃO? TODO CUIDADO COM A MÍDIA É POUCO!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Quem senta à mesa?


Quem senta à mesa?

Introdução
Luis da Câmara Cascudo em sua obra intitulada História da Alimentação no Brasil colocará sob a mesa um novo olhar, sociológico, acerca da culinária nacional. Muito além de uma simples resposta a fome, a alimentação, logo a culinária, está envolvida numa teia que interliga complexos sociais, políticos, econômicos, artísticos, literários, líricos, pictóricos, etc. O enfoque social supera o nutricional nessa obra.
Um dos aspectos fundamentais para uma compreensão aprofundada da alimentação está, para o autor, na relação que o mesmo faz entre o “complexo verbal” e a culinária. “O complexo verbal” é de grande importância para uma sociedade, pois através dele que se legitimam poderes econômicos, políticos e sociais. Para Ortega y Gasset, cada geração sente a necessidade de criar novos vocábulos para alojar seus entusiasmos. Na culinária podemos observar o mesmo, mas em instâncias menores, como nome de doces (beijinho, suspiro de anjo, teta de nega, olho de sogra, etc.) que estão intimamente ligados as relações amoroso-sexuais do povo brasileiro. Nessa comparação (com o “complexo verbal”), diz Cascudo, a ciência culinária perdeu a mística verbal que a ambientava. Não foi adquirida uma consciência da culinária, possuímos apenas uma consciência do estado da fome. Sendo assim, afirmamos que o complexo culinário, enquanto psicologia coletiva, continua obscuro para nossa sociedade.
Aqui se faz a ideia do título, “Quem senta à mesa?”, pois trabalharemos com todos esses complexos que envolvem o simples e ao mesmo tempo complexo hábito de alimentar.
As dimensões da culinária
A culinária faz parte da sabedoria popular. Receitas são passadas de geração em geração por linhagens familiares. Sob a forma de textos ou sabiamente decoradas. O Folclore alimentar é muito rico, estendendo-se até para os mitos: quem comer manga com leite vai passar mal. Etc. Devemos compreender tudo que envolve a culinária para percebermos suas riquezas.
Como dissemos na introdução, a culinária está presente numa trama de teias que interligam complexos sociais, econômicos, políticos, religiosos, etc., relacionando-se um a uma na vida social. A partir desse pressuposto trataremos da culinária em cada um desses complexos, resgatando seus valores simbólicos, econômicos e políticos. Primeiro trataremos dos valores econômicos e políticos da culinária, pois acreditamos ser muito importante para compreendermos o sistema no qual estamos submetidos e qual o papel da culinária na organização desse sistema, depois trataremos rapidamente dos aspectos religiosos. Nosso foco de discussão é o primeiro “complexo”.
Dentro do complexo econômico- político podemos primeiro apresentar uma tese que coloca a culinária como um elemento de distinção de classes e para isso basta direcionarmos nossos olhos para os “potlatchs” como ceias de natal, ano novo, aniversários. Se gasta muito dinheiro para celebração de um dia, festivo no calendário. Quanto maior e com mais variedade for a culinária, maior é a posição dessa pessoa na hierarquia social. E, como membro de uma classe, essas pessoas seguem esses padrões festivos para se reafirmarem como membros dessa classe, buscando cada ano aumentar o “poder” da sua ceia. Outro exemplo é como as pessoas se comportam à mesa: suas maneiras de conduzir os talheres, de alojar o guardanapo, etc. “Ou você come como um peão de obra ou se comporta a mesa”. Observa-se claramente como os alimentos estão diretamente ligados as hierarquias de classes.
Outro aspecto ligado à economia da alimentação está ligado ao tempo que destinamos a nossas refeições. Geralmente, o tempo que se leva para terminar uma refeição é de 15 minutos; tempo muito pequeno para que seu corpo possa realizar um trabalho com todos os nutrientes da comida. A partir disso devemos nos perguntar como esse tempo é determinado e logo encontramos a resposta no sistema econômico capitalista e no modelo de sociedade moderna em que vivemos; sociedade essa em que corremos o dia inteiro, com pressa, sem tempo para nada, muito menos para satisfazer as necessidades do nosso corpo, como a da alimentação. O relógio do capital é que move nossas bocas e escolhe o que comeremos. Move nossas vidas. Vivemos com pressa e morremos devagar, enquanto o barato da vida é viver devagar e morrer depressa. Não é a toa que a culinária dos E.U.A pauta-se em fast-foods (MC DONALD’S, BURGER KING’s, BOB’S, etc.), alimentos muito saturados e artificiais que esta levando mais da metade da população desse país a obesidade. Mas pra que se preocupar se com esse tipo de culinária consegue-se manter o proletário em pé na fábrica durante horas. Na Inglaterra, no período da Revolução Industrial, o açúcar era muito presente na alimentação dos operários, pois sua ingestão mantinha a classe trabalhadora (explorada) sem fome por um bom tempo e dava energia para o trabalho. A falta de tempo para se alimentar corretamente faz parte da lógica do capital: Time is Money! O empregado tem previsto em lei uma hora para se alimentar e dentro dessa hora perde 30 minutos para ir e voltar ao local onde faz a refeição, 15 minutos para fazer a refeição e 15minutos restantes para fazer a digestão. Com pouco tempo para a refeição, o trabalhador busca fazer suas refeições em restaurantes . Mas, também há aqueles que não comem em restaurante, mas acabam se entregando à culinária corrompida do capitalismo, trocando a terra pela lata . O paladar é a vítima do capitalismo. A estética do alimento substitui sua saúde. Usamos agrotóxicos, fertilizantes e várias outras drogas para criarmos alimentos gordos e coloridos, que falsamente são posto como sinônimo de riqueza proteica. Tira-se o gosto orinal do alimento, substituindo por um artificial. Bebemos suco de laranja com veneno. Mas tudo isso é importante para o mercado exportador, pois seu lucro é muito maior. Podemos, com uma analogia que Cascudo faz do homem- máquina, entender como o capitalismo organiza nossa alimentação: Assim como a máquina não escolhe o óleo, o trabalhador não escolhe o que come. “As tentativas econômica e técnicas do “prato único” nos refeitórios industriais são peças desse xadrez” (CASCUDO, p. 450).
Por fim, tem-se a culinária ligada ao complexo religioso, que implica em algumas questões como a posição dos Indianos com relação a carne de vaca. Para eles a vaca é um animal sagrado. Quem a usar em sua culinária está constrangendo diretamente os deuses. Os católicos também se abstêm da carne vermelha na Semana Santa. Contudo, a relação mística entre religião e culinária não é apenas proibitiva, como o caso da indiana, há exemplos em que o alimento era tido como sagrado para determinadas tribos e fazia parte do seu prato diário. A mandioca mesma surge d’um mito. Assim também é a carne de porco para os Cubanos. E assim se constituem outros mitos em torno dos alimentos.
Podemos adentrar em outros complexos com outros exemplos: experimente comer sem camisa. Quase 100% da população acharia isso uma falta de educação. Quem nunca ouviu um “coloca a camisa pra comer menino!”? Quem vai à alguma festa logo espera uma fartura alimentar. Festa sem comida não é festa, e ai do dono da festa se não oferecer o que comer. Cai na língua do povo. Funerais também são exemplos que apresentam uma lógica culinária singular.
Conclusão
Para Cascudo, a culinária, logo a alimentação, pode ser entendida como a base do complexo cultural de uma sociedade. É partir desse pressuposto que o autor afirma que a culinária/alimentação faz parte da cultura. É cultura; das mais primordiais que se possa imaginar. Superada talvez pelas relações de parentesco que Levi-Strauss trabalhou. Em tudo há comida no meio, ou a falta dela (vê-se o exemplo dos prisioneiros políticos de Cuba, os quais utilizam-se da greve de fome para almejar sua liberdade ou melhorias locais). Em um curso de Folclore Brasileiro o Porf. Gilberto disse que os U.S.A adoram fazer uma guerra porque não se alimentam direito. Quem se alimenta direito repousa posteriormente. A alimentação requer um descanso. Claro que foi uma ironia da parte dele. Por fim, uma das coisas que mais me intriga no que tange a alimentação é saber que na terra do Sol (América do Sul, do Sol), com toda abundância natural, há milhões de pessoas que passam fome. Enquanto na Amazônia “o peixe pula a sua boca e a manga cai em sua cabeça”, nos grandes centros urbanos pessoas reviram os lixos em busca do que comer. A conclusão que devemos tirar daí é: que alem da culinária/alimentação ser um processo social, a fome também o é. E somos nós os responsáveis por elas.
O povo é o que ele come!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASCUDO, Luis da Câmara. História da Alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1983.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Os negros não são os mesmos depois de Gilberto Freyre


O papel do negro na sociedade brasileira deve ser pensado sob diversos pontos históricos: o primeiro pelo o papel desempenhado por eles no regime escravocrata, da "Casa Grande & Senzala" e o segundo, no pós 1888, quando são inseridos marginalmente na vida urbana. No primeiro momento essas pessoas de cor eram estigmatizadas como escravas, e a partir desse rótulo sofriam as maiores barbaridades do regime (submetidos a várias horas de trabalho braçal forçado, sem descanso, péssima alimentação, sem nenhum direito, apenas o de chorar quando levado ao pelourinho). Em desacordo com Gilberto Freyre nesse ponto, não acredito numa relação "doce", "harmoniosa" que este observa na relação escravo- senhor(a), mesmo quando no espaço doméstico, mas não posso descordar que nossa política social para com esse povo de cor não era a mais brutal do mundo. Só no Brasil conheço casos (por meio da literatura de Aluizio de Azevedo) em que escravas vestiam longos vestidos que caracterizavam a nobreza, conforme o gosto de suas “madames”. O rigor distintivo cultural não era tão rígido. Em oposição ao Brasil temos exemplo do Apartheid Norte-americano e Sul- africano. Por se configurar de maneira singular na história, como dito acima, Gilberto Freyre optou por retratar a escravidão brasileira mais pelo seu lado doméstico, que para ele chegava a ser “doce”, “hamônico”.
Acredito ser esse um dos pontos perecíveis da obra de Freyre: não deter seu olhar sociológico para o escravo da Senzala como merecido. Contudo, não podemos esquecer o que a obra de Freyre ("Casa Grande & Senzala") tem de essencial: um reconhecimento desse povo de cor e todos os elementos culturais, sociais e políticos que herdamos deles e que estão vivos até hoje.
Contudo, a história do negro não pode ser só marcada como a história escravocrata brasileira, mesmo que essa represente 1/5 de nossa história e ainda hoje, com todo movimento abolicionista do pré 88, sofremos com efeitos deletérios daquele passado sombrio, que nada havia de “doce”. Com o fim (em tese) da escravidão, a dialética ganhou novas características, não mais acentuadas por escravos e senhores de engenho (já em crise naquele período), mas agora entre pretos e brancos. É no mesmo século XIX que teorias de cunho raciais e racistas (Oliveira Vianna em “Populações Meridionais do Brasil” in http://www.observadorpolitico.org.br/2011/07/grandes-ironias-sobre-a-questao-racial-%E2%80%93-parte-i/ e http://www.observadorpolitico.org.br/2011/07/grandes-ironias-sobre-a-questao-racial-%E2%80%93-parte-ii/) ganham forças entre intelectuais e acadêmicos de todo mundo. A miscigenação do Brasil, do contato entre os povos de cor e os brancos, era como uma cólera social. Inicia-se assim a política de “descoloração” populacional. Resumindo: o Brasil só de brancos e só para brancos.
A “liberdade” adquirida pelos negros em quase nada serviu para eles. Mudou-se apenas o sistema de dominação, atualizado pela oligarquia nacional em virtude de pressões capitalistas internacionais que pregavam que a mão de obra livre era mais barata e rendia muito mais e pressões nacionais de abolicionistas com força política. Sem trabalho, sem se alimentar, sem nenhuma dignidade, eles foram forçados a se marginalizarem, sofrendo com os imperativos do abismo social da época.
É ai que entra em cena Gilberto Freyre com todo seu amor pelo escravo, pela negra, pela mulata, resgatando tudo de melhor que já produziram e com uma lição de sociologia perene: É impossível pensarmos a história do Brasil sem conhecermos que são essas pessoas, esse povo, pilares da nossa sociedade. Tudo bem que apenas reconhecimento não basta e nesse aspecto concordo fielmente com Nancy Fraser. Há de se fazer mais por eles, focar numa política redistributiva, mas para isso é preciso ter em mente que as estruturas sociais são outras, totalmente diferentes daquelas que conhecemos do período escravocrata. Deve-se inserir assim, o negro na sociedade capitalista para que se possa buscar medidas afirmativas eficazes. Os negros não são os mesmo depois de Gilberto Freyre.
Queremos dizer com isso que não mais apenas a cor é um elemento determinante na vida social. A condição social, econômica, política e cultural, juntas assumem corpo na classe social, principal elemento que distingue pessoas. Porém, ser negro influencia muito nas formas de se relacionar na sociedade. Há omito de que negro de classe alta não sofre preconceito. Mentira! Aposto firmemente que as pessoas (no geral) estranhariam um negro dirigindo uma BMW, ou qualquer carro importado que seja. Provavelmente seria motivo de desconfiança, julgado a partir de bases preconceituosas cristalizadas em nossa vida social. O mito da ascensão social é quebrado quando apontamos que há uma distancia real entre brancos da classe A e negros da mesma classe. Uma pergunta que devemos deixar para que possa incitar a discussão é: porque a maioria das pessoas pobres é negra? Acreditar em meritocracia seria reforçar ainda mais a tese racial já vencida academicamente.
Sendo assim, o aspecto “cor”, que em muito é tratado por acadêmicos geneticistas deve ganhar maior destaque na trama social, pois é nela que faz “Neguinho da Beija Flor” ser chamado de “Neguinho” e não de “Europeuzinho da Beija Flor” (uma vez que um estudo apontou que 70% do tipo genético do ilustre sambista é de origem Europeia).
Gilberto Freyre nos lançou uma missão a qual não devemos abandonar, mas lutar com unhas e dentes: não apaguem da história aqueles que a fizeram, seja em qual período for. Assim a literatura fez por muitos anos. Falta a ciência. Os negros não são os mesmo depois de Gilberto Freyre. Não conseguimos pensar o povo brasileiro sem essa cor.

domingo, 29 de maio de 2011

Pistoleiros do Pará fazem 3.ª vítima em 5 dias


"A polícia do Pará confirmou, ontem à tarde, o terceiro assassinato em cinco dias na região de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. O agricultor Erenilton Pereira dos Santos, de 25 anos, foi encontrado baleado, no final da manhã, numa área a sete quilômetros do assentamento Praialta/Piranheira. Ali perto, na terça-feira, foi morto - também a tiros - o casal de ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo." FONTE: Estadao.com.br / http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110529/not_imp725374,0.php



http://www.blogger.com/img/blank.gif

Mais um caso lamentável na história desse país; assim como Chico Mendes (http://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_mendes)http://www.blogger.com/img/blank.gif
e Dorothy Stang (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dorothy_Stang), foi assassinado um dos poucos GUARDIÕES da nossa EXUBERANTE FLORESTA, nosso IRMÃO José Cláudio Ribeiro da Silva. Seu sangue escorreu pela terra que ele guarda para nossas futuras gerações, contrapondo toda diabólica ideologia do capitalismo destrutivo. Vale ressaltar que seu sangue, sem soma de dúvidas, foi derramado por LATIFUNDIÁRIOS, DESTRUIDORES DO NOSSO MAIOR PATRIMÔNIO, que só visam o lucro particular imediato, arruinando a fonte de subsistência de muitos extrativistas que compreendem a necessidade de mantermos a salva nossa MÃE.
Ainda nessa semana presenciamos a lamentável aprovação do novo código Florestal, que anistiará todos aqueles que corrompem nosso país derrubando ilegalmente árvores, sem se preocupar com as consequências dessa barbárie. O país, o mundo e nós precisamos dessa VIDA VERDE para sobreviver, respirar do melhor ar, etc, etc. ISSO É PROVADO PELA DONA DA RACIONALIDADE, DA VERDADE: A CIÊNCIA. SE NÃO NOS ATENTAMOS A ESSA VERDADE, LOGICAMENTE NOS ENQUADRAMOS COMO SERES IRRACIONAIS.
Sem querer que o texto fique longo e chato de ler, encerrarei por aqui, expressando todo meu DESGOSTO com os fatos e DESESPERO com o andar da carruagem blindada por uma elite que não é capaz de olhar para além do seu umbigo.

Não tenham vergonha de distribuir essa mensagem em todos meios possíveis, mas tenham vergonha apenas de não lutarem pela nossa ETERNA MÃE. Se o Estado não dá conta, http://www.blogger.com/img/blank.giflutamos nós aqui de "baixo".

Agradeço a atenção e ficarei feliz se repassarem por seus contatos.

Conheça José Cláudio Ribeiro em: http://www.youtube.com/watch?v=78ViguhyTwQ&http://www.blogger.com/img/blank.giffeature=player_embedded
http://www.youtube.com/watch?v=i60vlrrRpfA&feature=player_embedded

Enquanto estamos parados olhando o mal se espalhar, as desigualdades se naturalizarem, pessoas como José Cláudio Ribeiro viveram grande parte de sua vida com uma bala na cabeça, e mesmo assim nunca desistiram da luta. SEJAMOS FORTES!

domingo, 8 de maio de 2011

E.U.A comemora a morte de seu "produto".


Morreu nessa segunda- feira, dia 02 de maio, aos seus 49 anos o mártir da rede revolucionária Al-Qaeda.
Sob um total ar de mistérios e dúvidas o mundo inteiro ficou sabendo pelas bocas do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que o maior inimigo deles foi morto por uma operação em Abbotabad, Paquistão.
Após noticia, era possível ver nas ruas norte-americanas uma carnavalização do fato ocorrido. “Milhares de jovens”, como descreveram as mídias, foram as ruas comemorar a morte do que pra eles era seu maior medo, o terror em pessoa. Uma pergunta a ser feita é por que só se viam jovens nas ruas e não, também, adultos e idosos? Talvez essa maneira de “carnavalizar” os fatos seja característica dos tempos modernos, da cultura teen, mas afirmando isso entraríamos em contradições sociológicas muito amplas, não cabíveis nesse debate. O que pretendo tratar aqui é sobre o passado da relação E.U.A, U.R.S.S e Afeganistão, dum período da Guerra Fria.
Foi na Guerra Fria, quando o comunismo ainda estava em voga, com as pretensões da antiga U.R.S.S de invadir o Afeganistão que os E.U.A entra em cena naquele território. Como assim entra em cena? Nada mais nada menos do que financiando economicamente e militarmente as tropas do Afeganistão contra a invasão. É nesse período que se “criam” os mais temidos “terroristas” mundiais, com poderosos e temíveis treinamentos oferecidos pela inteligência norte- americana (C.I.A). Dentro dessa lógica podemos pensar que a própria inteligência norte- americana financia a morte de 3.000 civis do “11 de setembro”.
Interessante se pensar no papel que a hegemonia cultural e econômica norte- americana detém sobre os fatos: enquanto que dois aviões jogados contra duas torres gêmeas matam 3.000 pessoas nos E.U.A, no Oriente Médio, centenas de caças e o próprio exército norte- americano já mataram dezenas e mais dezenas de milhares de civis inocentes nessa “guerra ao terror”. Se nossos juízos de valores fossem construídos por números apenas, defenderíamos a “Jihad”, mas como eles (Arábes Muçulmanos) são tidos como primitivos e não civilizados por muitos de nós Ocidentais, suas mortes não significam muita coisa, ou pelo contrário, significam JUSTIÇA. Estupidez!
O que me intriga mais é saber se os E.U.A não tem problemas internos como desigualdades sociais, acesso a saúde, educação, preconceitos raciais, violência, etc., que não superam a necessidades daquele país em gastar TRILHÕES com uma política imperialista, com uma guerra que eles mesmos financiaram.

sábado, 23 de abril de 2011

Novo código florestal: “direito-lei” versus “direito costume (realidade social)”


Novo código florestal: “direito-lei” versus “direito costume (realidade social)”

Oliveira Vianna em seu clássico “Instituições Políticas Brasileiras” trava uma discussão, opondo-se aos intelectuais juristas do século XIX, sobre as Constituições Nacionais e sua disparidade com relação à realidade social do “povo-massa”. Assim se configurou com a Constituição de 1824 e 91.
Para Vianna (2000), esses legisladores, fabricantes da armadura jurídica e política do nosso país, se apresentam como “marginal man”, apropriando-se da teoria de Park (1937). Segundo autor, os “marginal man” viviam num intervalo entre a sociedade Brasileira e a Francesa ou Norte-Americana, onde, em geral, se graduavam. Estes intelectuais de Vianna estavam ligados ao Brasil e sua rede cultural por meio da formação do “subconsciente coletivo” (VIANNA, 2000), ou seja, devido a realidade social que aqui estavam dispostos e ligados a França ou aos E.U.A devido a sua formação intelectual.
O que pretendo tratar aqui é uma herança desse passado não tão distante que ainda nos assombra e que ganhou caras novas: agora esses intelectuais não precisam sair do país para se apresentarem como “marginal man”, uma vez que estão sendo produzidos e pensados dentro de uma colonização intelectual das nossas próprias Universidades. O novo código Florestal será nossa base para essa discussão.
O que o novo código Florestal tem haver com esse tema? Saiu no G1 (http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/04/governo-quer-acabar-com-agricultura-familiar-diz-relator-do-codigo-florestal.html) que o novo código Florestal exigirá que os pequenos produtores reservem uma área de sua terra para reserva ambiental. A princípio vemos uma iniciativa legítima do ponto de vista ambiental, mas não digo o mesmo pelo aspecto social, histórico e econômico.
Essa ação governamental poderá iniciar uma extinção da agricultura familiar em nosso país, tipo de agricultura que existe em nosso solo desde a formação do nosso povo. Em “O povo Brasileiro” Darcy Ribeiro expõe que a formação deste tipo de agricultura têm várias causas, entre elas: a crise do mercado escravista que levou os bandeirantes (grupos nômades) a se fixarem na terra e dela tirarem seu sustento. Outro é o exemplo do “Brasil Caipira” que em Minas Gerais mais se acentua. Esse “caipira” se configura no período da crise do ouro, quando se fixa num pedaço de terra criando um complexo social e regional (de “bairro”) que dará novo sentido a sua vida.
Essas formações do “Povo Brasileiro” persistem até hoje, mas claro que com muitas mudanças de cunho cultural e econômico, muito agravado com o período de industrialização do país, mas que também se preservou muito de suas identidades passadas. Identidades essas que não são levadas e conta por uma elite intelectual que governa nosso país, que desconhecem a realidade do nosso “povo-massa” e se julgam representantes legítimos.
Sendo assim, fica claro entender a dialética direito-lei e direito costume (realidade social) que é construída por um grupo de “marginal man” do nosso país, que busca em seu intelecto “colonizado” respostas e soluções para problemas deslocados da realidade.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Representatividade numa sociedade pluralista e democrática.



O projeto “Ficha Limpa”, que em sua autoria assina embaixo a sociedade civil organizada, sofreu uma derrota na semana passada. Foi no STF que se decidira se este projeto seria válido para este ano ou para um pós- eleição. Como item normativo, tudo foi decidido no voto.
De oito votantes, quatro se posicionaram a favor da validade do projeto para o ano que se passou (de eleições) e outros quatro se posicionaram contra a validade do projeto. Tudo ficou para ser decidido pelo voto do ministro do STF, Luis Fux. Azar o nosso. Fux votou contra a validade para este ano, abrindo a porteira para figuras Paulo Maluf (PP-SP), Jader Barbalho (PMDB-PA), João Capibaribe (PSP-AP), bem conhecidas no nosso cenário político.
Exposto esse fato, o que quero tratar aqui é a noção que temos de representatividade e a que os próprios representantes fazem dela. Então, para começarmos a explorar esse tema devemos nos fazer uma pergunta: como um representante deve se orientar dentro das instituições representativas que envolvem deliberação, tomando decisões seguindo sua consciência reflexiva desenvolvida no debate ou seguindo a vontade dos representados?
Se segue a primeira opção, devemos nos perguntar se a representação, nesse caso, é realmente plena, pois o representante pode ser levado a tomar decisões por julgamentos valorativos individuais. Se optar pela segunda, devemos nos perguntar se a população (em massa) saberá tomar decisões que tangem o bem comum.
O bem comum, bem coletivo, bem geral (qualquer um deles) é outra problemática (fundamental em uma República). Como determinar o que é de interesse geral numa sociedade pluralista, em que uma pessoa é um indivíduo particular, único, tendo interesses singulares (como também compartilhados)?
Alguns pensadores como N. Bobbio, Touqueville, Montesquieu, Madison e Hamilton pensaram sobre tudo isso e construíram teorias que solucionassem esses problemas. Bobbio,em sua obra O futuro da democracia faz uma defesa das regras do jogo democrático, objetando que o “tipo ideal” de representação não pode ser pensado como a realidade em que vivemos. Montesquieu já toma outros campos, afirmando que uma república em que exista o bem comum (coletivo e geral) só é possível em pequenos territórios. Oposto a Montesquieu, Madison e Hamilton (Federalistas) afirmam que o bem comum também pode ser alcançado em uma República com extensa territorialidade, uma vez que abriga diversos interesses que postos em negociação não ameaçam a liberdade de uma minoria. Toqueville já acredita que a solução para isso tudo tange a ação dos indivíduos levando em conta apenas seus interesses particulares, pois a soma de todas essas particularidades resultaria no que é coletivo.
Com todas essas leituras acerca da representação, democracia, pluralismos, poliarquia, uma coisa é certa a se dizer: A Democracia não surge como solução (como foi na Grécia antiga) mas como um problema para o Ocidente secularizado.

terça-feira, 29 de março de 2011

O racha do Partido Verde (PV)


O fato é recente, o Partido Verde que tem em Marina Silva sua principal protagonista (resultado visível nas eleições do ano passado) está passando por um dos momentos mais complicados de um partido que é novo na cena política: um racha em sua estrutura política e ideológica.
Tudo começou com um movimento que se orientava para uma democratização interna do partido. Marina Silva, Fernando Gabeira e uma grande parte do partido se posicionavam contra a realidade do partido, que tem como líder Sarney Filho, há doze anos no cargo.
Mas, se esse movimento de democratização da estrutura do partido não deu certo não é para nos espantar. Mas, se vivemos em uma “democracia”, por que uma tentativa de democratizar uma instituição política de representação não é democrática? Max Weber responde claramente essa pergunta nos escritos de sua obra Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída.
Novamente toco nesse ponto relacionado à condição dos partidos e, recorrendo ao clássico e ao mesmo tempo moderno Max Weber, acredito ter encontrado a melhor descrição para eles: os partidos políticos são instituições que atuam como empresas. Como empresas, visam apenas à sobrevivência de sua instituição e o lucro (econômico e político) que ela pode proporcionar aos “donos do partido” (não a todos os integrantes). Sua função é distribuir cargos políticos para expandir suas relações de poder. Ainda não satisfeito com essa determinação de partido político, recorro à realidade para afirmar que o próprio partido tem em suas bases eleitorais grandes (no sentido de acumulo de capital) empresários da sociedade brasileira, como exemplo um dos presidentes da Natura e que no ano passado foi as urnas como o vice- presidente de Marina Silva.
Esse racha do/no P.V pode significar muitas coisas e, entre elas destaco a que para mim significa muita coisa: O enfraquecimento de uma representante partidária que surpreendeu a todos com 20% dos votos da população brasileira. Tudo bem que uma indeterminada percentagem desses votos não foi destinada a ela por compartilhamento de ideologia, mas por insatisfação com os outros candidatos de peso (Dilma Roussef do PT e José Serra do PSDB).
A pauta ambiental (Consciência e Desenvolvimento Sustentável) aderiu uma grande parte da massa, mas ainda não provocadora de resultados almejados pelo Partido Verde. Mas essa é uma questão geracional, que, com o passar dos anos e da contínua importância que o tema vem adquirindo em diversas instituições da sociedade civil poderá ser a pauta de maior destaque (então decisiva) nas eleições. E, se o P.V quiser ser o protagonista desse “fazer política” deverá se reestruturar rapidamente, antes que o pior ocorra.
Seria de meu agrado ver no Brasil uma política séria para tratarmos o meio ambiente e suas ramificações temáticas. Nosso país com toda sua grandeza natural, poderia ser a chave para o futuro, respeitado e visto por todo o mundo como um exemplo de país que sabe respeitar suas riquezas, ambientais e étnicas.

sábado, 26 de março de 2011

Democracia Cosmopolita?


O título é bem sugestivo. O que pretendo tratar aqui tange duas problemáticas: teórica e realista. Teórica quando trato da democracia em seus princípios ideológicos (em si). Realista quando trato da democracia da vida prática, da ideologia objetivada (para si). A base desse artigo são as medidas contra o governo de Muammar Kadafi – cerco aéreo, bombardeios as tropas do exército e civis inocentes (para não sermos obscuros), etc. -.
A Organização das Nações Unidas, juntamente com os “exemplos” de sociedades democráticas (E.U.A, Inglaterra e França) e outros países da liga árabe, promoveram ataques aéreos ao país de Kadafi (Líbia), como medida de assegurar os movimentos de libertação do povo árabe que aquela região habita. Esses países, segundo seus discursos mundiais, reproduzem uma vontade única: que a democracia se espalhe pelo Oriente e, consequentemente, que os direitos humanos sejam soberanos.
Todo o mundo tem ou tinha acompanhado essa revolução pelos variados meios de comunicação disponíveis, tomando consciência do que se tratava tal levantamento popular. A condição da população Líbia é de extrema desigualdade, fragmentação política, desarticulação de uma sociedade civil organizada. Em resumo, fruto de um patrimonialismo barato ao Estado e caro à população. Patrimonialismo esse patrocinado pelos neo- imperialistas norte- americanos e britânicos (tomemos consciência). Para não fugirmos da empiria basta lembrarmos quando os E.U.A retiraram a Líbia do quadro de terroristas, abrindo as portas assim para um relação comercial imperialista, em que um fornecia petróleo e o outro armas e implantação de multinacionais . Com a Inglaterra a Líbia assinou em 2004 o “Acordo no Deserto”, que dava direito aos britânicos de explorarem o petróleo Líbio.
Agora as relações mudaram. As rédeas do conflito foram tomadas pelos países. E.U.A, Inglaterra e França bombardeiam a Líbia fazendo discursos democráticos para cima e para baixo, apoiando uma democracia cosmopolita. Mas, se pensarmos mais um pouco sobre esses discursos democráticos, veremos uma falácia pelo ar. Se a democracia deve ser cosmopolita por que também não atacam a China? Até onde eu sei e espero que vocês também saibam a China não tem nada de democrático, muito pelo contrário. Mas quem atacaria o país que mais cresce economicamente no mundo? Sendo assim, objeto que o interesse de E.U.A, Inglaterra e França não tem nada de democrático,mas sim de imperialista. A democracia desses países ditos democráticos não passa de se seus territórios, pois uma vez que passar, poderá se tornar um problema para eles mesmos, pondo suas condições de exemplos de sociedade pelo ralo. O interesse não é apenas econômico; é moral, ético, social, político, etc., tudo dentro do padrão capitalista moderno.
A ideia de Democracia Cosmopolita, na sociedade em que vivemos, é mera profecia.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Confirma-se drástico ajuste fiscal



O Portal G1 mostra o corte gigantesco de R$ 50 bilhões do orçamento de 2011, anunciado pelos Ministros da Fazenda e Planejamento. Confirmam-se, assim, todos os alertas dados pela Auditoria Cidadã da Dívida em diversas edições anteriores deste boletim, a respeito de um enorme ajuste fiscal do governo Dilma, que assim mantém a aprofunda a política neoliberal dos governos anteriores. A reportagem é do sítio Auditoria Cidadã da Dívida, 09-02-2011.
Fonte: UNISINOS

A justificativa oficial para estes cortes é que isso reduziria a quantidade de dinheiro em circulação na economia, reduzindo a atividade econômica e a inflação, permitindo assim que o Banco Central não subisse os juros para combater a alta de preços. Porém, o país já aplica esta política de cortes de gastos sociais há mais de uma década e ainda praticamos a maior taxa de juros do mundo, que ainda vai subir mais!

Na realidade, todos estes cortes ceifam direitos sociais urgentes da população brasileira para priorizar o pagamento da questionável dívida pública, que deveria ser auditada, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.

Outra consequência destes cortes é mostrada pelo Jornal Estado de São Paulo: o governo fechou questão sobre o valor do salário mínimo de R$ 545, e enquadrou a sua base parlamentar a votar a favor deste valor. Os deputados que votarem por um valor maior poderão ser punidos.

O argumento é sempre o mesmo: falta de recursos para o pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, ignorando que a Previdência está inserida na Seguridade Social, cujas receitas superaram as despesas em R$ 32,6 bilhões em 2009, conforme publicação da ANFIP (pág 19), valor este suficiente para elevar o salário mínimo para R$ 660.

O Jornal O Globo repercute a taxa de inflação de janeiro (IPCA, que atingiu 0,83%), citando a opinião de especialistas ligados ao mercado financeiro de que seria necessário se aumentar os juros (que já são os maiores do mundo) para segurar a alta de preços.

Porém, analisando-se a composição desta inflação, conforme divulgado pelo IBGE, verifica-se que nada menos que 67% desta inflação se deveu aos itens de transportes e alimentos, ou seja, decorreu principalmente dos aumentos nas tarifas de ônibus (definidos pelos municípios) e de queda na oferta de alimentos.

É importante comentar que um aumento na taxa de juros pelo Banco Central não faz com que os prefeitos deixem de aumentar as tarifas de ônibus, nem faz com que haja uma maior oferta de alimentos, e nem que as pessoas deixem de consumir estes alimentos, ou deixem de pegar ônibus.

Na realidade, as altas taxas de juros beneficiam os rentistas da dívida pública, às custas do povo.

Fonte: http://economiasociedade.blogspot.com/2011/02/confirma-se-drastico-ajuste-fiscal.html

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Reflexão do dia - Marcos Sá Correa



“Se o termo for sincero, o país está entregue a interesses poderosos, sem dúvida, mas insensatos a ponto de defenestrar presidentes do Ibama só para construir um canteiro de obra sem a menor garantia de fazer a obra. Ideia semelhante só passou por Brasília uma vez, há mais de 30 anos, através da cabeça prodigiosa do economista Mario Henrique Simonsen. Como ministro do governo João Figueiredo, ele propôs que o Brasil legalizasse o pagamento de comissões por obras que não pretendia executar. Alegava que assim todos sairiam ganhando. A começar pelos brasileiros, que assim gastariam menos com empreitadas inúteis e perdulárias.

Simonsen estava brincando. Queria simplesmente dizer com isso que muita coisa no país só sai do papel porque alguém está de olho na percentagem da intermediação. Mas a licença "parcial" de Belo Monte, a julgar pelo número de baixas que já causou, está falando a sério, mesmo sem esclarecer se aquilo custará menos de 19 ou mais de 30 bilhões de reais e gerará 11 mil ou 4 mil megawatts. “

SÁ CORRÊA, Marcos. O Ibama virou um negócio insustentável. O Globo, 28/1/2011.

Extraído de: http://gilvanmelo.blogspot.com

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"Marx e a sociologia"


Ricardo Musse
Ilustração: André Toma
"Na investigação da relação de Marx com a sociologia, não há como subestimar a importância do movimento crítico. Ao longo de toda sua obra, o exame das diversas teorias sociais prevalecentes desemboca, com base no exercício de uma crítica ao mesmo tempo imanente e transcendente, na delimitação de um território próprio denominado pela posteridade de “materialismo histórico”, “sociologia marxista” ou mesmo “sociologia ou teoria crítica”.
Durante o inverno de 1845-1846, refugiados em Bruxelas, Marx e Engels redigiram A Ideologia Alemã. O texto, no entanto, por uma série de motivos, não foi editado e permaneceu assim durante o período em que eles viveram. Numa breve apresentação de sua trajetória intelectual, no Prefácio ao livro Para a Crítica da Economia Política (1859), Marx comenta o manuscrito, destacando que “tratava-se de acertar contas com nossa antiga consciência filosófica. O propósito tomou corpo na forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana (…) Abandonamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, tanto mais a gosto quanto já havíamos atingido o fim principal: a autocompreensão”.
Embora o contexto da referência permita inferir que o manuscrito continha um esboço da teoria ali exposta de forma sintética, Marx, fiel ao seu estilo negativo, prescinde dessa afirmação. A interpretação apenas literal dessas frases, predominante entre as duas primeiras gerações de marxistas, corroborou a tese de que se tratava de um momento superado de um itinerário que transitara da filosofia à economia política. Essa hipótese, no entanto, foi plenamente desmentida pela publicação do primeiro volume do livro, em 1926 (o segundo foi editado em 1932). As ideias apresentadas nesse Prefácio, e que se tornaram uma espécie de resumo oficial da teoria marxista da história, retomam quase que literalmente o texto do manuscrito de 1845-1846.
A Ideologia Alemã tornou-se desde então um texto essencial do corpus marxista. Nela delineia-se pela primeira vez de forma nítida o que pode ser considerado o programa do materialismo histórico, gestado por meio de uma crítica incisiva dirigida simultaneamente à filosofia, à teoria política, à historiografia, à economia política, à teoria social etc.
A atividade prática humana
A autocompreensão à qual Marx se refere surgiu, em grande medida, de um acerto de contas com Ludwig Feuerbach, o mais destacado dos filósofos pós-hegelianos. Nos 11 parágrafos das famosas “Teses sobre Feuerbach”, escritas provavelmente em maio ou junho de 1845 – portanto, alguns meses antes do início da redação de A Ideologia Alemã –, Marx, que havia muito já não era idealista, ao contestar o caráter passivo, abstrato e não histórico do materialismo (incluindo o de Feuerbach), destaca que a sensibilidade, a história e a vida social resultam da atividade prática humana.
Um ponto decisivo da divergência de Marx ante Feuerbach consiste na determinação do conceito de “alienação”. No quarto parágrafo, Marx afirma: “a autoalienação religiosa, o desdobramento do mundo em um mundo religioso e um mundo mundano (…) só pode se explicar pela autodilaceração e pela autocontradição desse fundamento mundano”. Desse modo, a questão da alienação, e assim da própria situa-
ção do homem, é deslocada de “um reino autônomo nas nuvens” ou da compreensão do indivíduo singular para a vida efetiva, que se desenrola como um nexo de relações sociais.
Por conseguinte, a tarefa mais urgente e impostergável para Marx, naquele momento, era delinear uma nova concepção, materialista, da história e da sociedade. Teoria essa que, não custa repetir, nasceu da convivência com e da crítica à filosofia pós-hegeliana, mas que, de certo modo, pode ser estendida a grande parte da tradição cultural e intelectual burguesa.
A estratégia de Marx e Engels para submeter à crítica os jovens hegelianos, evitando o risco de recair no jogo especular de uma crítica da “filosofia crítica”, passa pela remodelação do conceito de “ideologia” – concebido como um descompasso entre o que os indivíduos, grupos e sociedades imaginam ser e o que efetivamente são.
O esforço crítico vincula-se assim ao desenvolvimento de uma teoria apta a compreender os indivíduos efetivos em suas ações concretas, o que aponta para a necessidade de conhecer suas condições materiais de vida e as relações sociais aí engendradas. Esse programa, ao qual Marx se ateve ao longo de sua trajetória, foi levado adiante submetendo à crítica – imanente e transcendente – aquelas que são comumente apresentadas como as três fontes do pensamento marxista: a teoria social alemã, tal como configurada no idealismo alemão e no movimento dos jovens hegelianos; a teoria social inglesa, consubstanciada na economia política; e as vertentes da sociologia francesa iniciadas por Saint-Simon, com seus desdobramentos no socialismo utópico de Fourier e Proudhon.
Embora, em A Ideologia Alemã, Marx e Engels esbocem alguns traços da aplicação desse programa à história universal, o livro quase não trata do mundo moderno. O levantamento das principais determinações da sociedade capitalista tornou-se imprescindível durante a redação do Manifesto do Partido Comunista (1848).Para compreender o momento histórico, Marx expõe a história da gênese e do desenvolvimento do mercado mundial, assim como dos conflitos sociais e das oposições de classe que moldam esse cenário, delineando os principais pontos da sociologia marxista, numa exposição concisa das coordenadas econômicas, sociais, políticas e culturais do mundo moderno.
O Manifesto pode ser lido então como uma espécie de “dialética da modernidade”, salientando a contradição entre o dinamismo inerente ao desenvolvimento das forças produtivas (destacado na metáfora “tudo que é sólido desmancha no ar”) e a estática inerente às relações de produção, que reproduzem a cada momento as formas desiguais de apropriação da riqueza e de dominação social.
Marx apresenta o Manifesto como uma autoexposição do comunismo. Conjugado a essa tentativa de exposição teórica das premissas de um movimento político que mal entrara em cena e já invocava para si o papel de protagonista, Marx compôs um diagnóstico da modernidade que esquematiza, em linhas gerais, tópicos que só serão desenvolvidos detalhadamente em obras posteriores, particularmente no conjunto de textos projetados pelo próprio Marx como uma “crítica da economia política” e cuja formulação mais acabada consiste em O Capital.
Luta de classes
Dito em termos drásticos, de A Ideologia Alemã, bem como de seus inúmeros estudos sobre história, Marx tomou como pressuposto no Manifesto apenas um esquema mínimo, a tese de que “a história de todas as sociedades até o presente é a história das lutas de classes”. Trata-se, portanto, de trazer para o centro do relato da história humana o conflito, a “luta ininterrupta, ora dissimulada, ora aberta”, entre oprimidos e opressores.
Apesar do tom panfletário, inerente a seus objetivos práticos, políticos e pedagógicos, o Manifesto mantém a postura crítica em relação à filosofia da história de A Ideologia Alemã. Em lugar de estabelecer uma teleologia para o desenvolvimento geral da espécie humana, Marx, analisando em bloco o destino do mundo moderno, apenas aponta duas tendências, extraídas da observação do passado histórico, procurando evitar recair na ideia de uma necessidade inerente ao espírito ou em alguma forma de determinismo: “uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou uma derrocada comum das classes em luta”.
Na descrição de Marx, a “moderna sociedade burguesa não aboliu os antagonismos de classe”, mas antes colocou novas classes, novas condições de opressão, novas formas e estruturas de luta, sintetizadas no conflito entre burguesia e proletariado.
Marx associa o desenvolvimento histórico-social da burguesia, em especial sua constituição como força política, a uma série de acontecimentos que marcaram a gênese e os desdobramentos do mundo moderno. Desse modo, essa classe é apresentada como o produto de um longo processo, de uma série de revoluções nos meios de produção, transportes e comunicação, por meio do qual ela se desenvolve, economicamente, multiplicando seus capitais e, politicamente, empurrando para segundo plano as demais classes opressoras. Marx adverte assim que, ainda que as demais classes opressoras não sejam suprimidas, doravante quem dá as cartas nos rumos do desenvolvimento histórico e na luta política é a burguesia.
No Manifesto, o mundo burguês é compreendido como uma unidade contraditória entre fatores dinâmicos e invariância estática. O paradoxo de uma sociedade que não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, com eles, o conjunto das relações sociais é próprio do mundo moderno. Enquanto os antigos modos de produção assentavam-se, à maneira de uma tradição, na manutenção e conservação de relações fixas e cristalizadas, a sociedade burguesa se reproduz, mantendo-se idêntica somente ao preço de uma contínua transformação que, acarretando a obsolescência e uma incessante destruição de toda a estrutura de produção existente em determinado momento, subverte inclusive o cenário histórico e político.
Essa dinâmica, característica da modernidade, é apresentada e desdobrada no Manifesto sob a forma de um feixe de expansões que ocorrem simultaneamente, em direções e sobre domínios diferenciados. A descrição do papel “eminentemente revolucionário” desempenhado pela burguesia na história moderna pode ser concebida como uma história dos movimentos do agente histórico dessa expansão, o que explica, entre outras coisas, a forte carga irônica dessas passagens, muitas vezes interpretadas erroneamente como uma apologia da burguesia.
Marx descreve os movimentos segundo os quais o capitalismo extravasa o campo das relações puramente econômicas, espraiando-se para outras esferas da vida social. Esse processo caracteriza-se por uma inaudita mercantilização e reificação de todo o domínio social, atingindo inclusive o âmago da subjetividade.
Mas, ao mesmo tempo em que salienta o predomínio das relações mercantis e da reificação sobre o conjunto da vida social, Marx detecta outro movimento expansionista caracterizado pela colonização, ou melhor, pela penetração capitalista sobre áreas e regiões 
econômicas ainda não capitalistas – o que abrange desde áreas do mundo rural, situadas próximo do centro do capitalismo, até os territórios pré-capitalistas, situados nos confins do planeta.
Essa expansão, hoje denominada globalização, vincula-se de forma mais estreita, no Manifesto, com a fase do mercado mundial. Por “mercado mundial”, Marx designa tanto uma forma de concentração industrial como o domínio exclusivo do poder pela burguesia (na época do Manifesto, o recém-implantado Estado constitucional representativo).
Essas duas “expansões” são assinaladas, ao mesmo tempo, como expedientes a que a burguesia recorre para tentar superar as crises do capitalismo. Marx indaga: “Por quais meios a burguesia supera as crises? Por um lado, pelo extermínio forçado de grande parte das forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e da exploração mais metódica dos antigos mercados”.
A frase “exploração metódica dos antigos mercados”, outra vertente da expansão capitalista, alude à reformulação dos meios e das formas de produção, o que abrange desde a tecnologia empregada na produção até as formas de manejo da mão de obra no interior do processo produtivo. Esse processo, no entanto, não pode ser levado adiante sem a derrubada de obstáculos (jurídicos, culturais etc.) e sem uma intensificação da padronização específica da economia capitalista sobre as demais esferas do mundo social.
O proletariado
A exposição do proletariado, no decorrer do Manifesto, embora possa ser remetida ao quadro histórico-econômico próprio do mundo moderno, não privilegia as mediações econômicas, mas antes a história de sua formação política. De modo geral, Marx salienta que, na mesma medida em que a burguesia, ou melhor, o capital se desdobra, também o proletariado se desenvolve.
No Manifesto, Marx determina, de modo genérico, o proletariado como aqueles que “só subsistem enquanto encontram trabalho e só encontram trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital”. Esse modo de compreender a inserção social do proletariado destaca a submissão do mundo do trabalho à lógica econômica do mercado: os “operários, que têm de vender-se um a um, são uma mercadoria como qualquer outro artigo de comércio e, por isso, igualmente expostos às vicissitudes da concorrência e às oscilações do mercado”.
A dinâmica da expansão, própria do capitalismo, afeta o proletariado no âmago da sua inserção (e integração) social, como força de trabalho, consolidando-se como um dos principais obstáculos à sua organização e formação política. Esse processo foi destacado por Marx como uma forma de reificação típica da situação do trabalho no capitalismo. Primeiro, o trabalhador perde sua autonomia, pela via da expansão da maquinaria e pela ampliação da divisão de trabalho no interior do processo de produção, tornando-se quase um mero acessório da máquina. Mas, sobretudo, ele encontra-se submetido, no interior da fábrica, ao “despotismo” do capital: “Eles não apenas são servos da classe burguesa, do Estado burguês; diariamente e a cada hora eles são escravizados pela máquina, pelo supervisor e, sobretudo, por cada um dos fabricantes burgueses”.
A formação política do proletariado afigura-se, portanto, como uma forma de superação, seja da alienação própria ao mundo do trabalho, seja dos resultados da incessante concorrência entre os trabalhadores gerada pela recorrente reprodução da mão de obra. Nesse sentido, um dos pressupostos práticos do Manifesto, a tarefa de contribuir para a organização do proletariado em um partido político, não pode ser visto como um objetivo descolado da necessidade de superar esses obstáculos.
Pode-se considerar que a aposta de Marx, recorrente ao longo do Manifesto, atribui ao proletariado a possibilidade de desempenhar na história papel equivalente ao exercido pela burguesia. Vale dizer que, para Marx, a classe operária tem a possibilidade de posicionar-se como agente determinante do destino histórico do mundo moderno.
Esse engajamento da classe operária em um projeto de transformação social não é apresentado como um resultado automático e necessário decorrente das condições econômicas e sociais da sociedade burguesa. Marx adverte que os incessantes esforços para organizar o proletariado em um movimento político são, a cada instante, contrariados pela concorrência entre os próprios operários, bem como pela reificação, condições inerentes a sua situação no capitalismo.
A generalização da forma-mercadoria dificulta não só a afirmação do proletariado como sujeito histórico, mas a própria reflexão acerca dos problemas inscritos no cerne da sociedade capitalista, uma vez que a reificação, originariamente atuante no mundo do trabalho, estende-se para todos os setores da sociedade."
Ricardo Musse é professor do
Departamento de Sociologia da USP

Fonte:http://revistacult.uol.com.br/home/2011/01/marx-e-a-sociologia/

"Existe uma sociedade Weberiana?"


Michel Misse
Ilustração: André toma
"Embora seja usual falar-se de uma sociologia “weberiana” e de sociólogos “weberianos”, ou de uma escola “weberiana”, não podemos aceitar rigorosamente essas classificações, a não ser quando se pretende demarcar uma tendência dominante, em certos autores e obras, da influência de conceitos e perspectivas desenvolvidos nos diferentes trabalhos de Max Weber. Mesmo assim, não há nada, nesse caso, comparável, por exemplo, seja à apropriação e desenvolvimento das teorias de Marx no marxismo, seja à apropriação e desenvolvimento das teorias de Freud na psicanálise. Não há nada na obra de Weber que permita desenvolvimento similar ao do marxismo e ao da psicanálise, e isso por duas razões.
Em primeiro lugar, Weber não propõe uma revolução científica ou um deslocamento teórico fundamental, um novo paradigma científico, e nem foram esses os efeitos epistemológicos de sua obra, como, ao contrário, parece acontecer com as obras de Marx e de Freud (tal, pelo menos, como reivindicam marxistas e psicanalistas). O próprio Weber condenava, no marxismo e na psicanálise, sua unilateralidade radical, que os lançava, em seu entender, na metafísica e na disputa de pressupostos últimos aos quais a ciência não poderia responder.
Em segundo lugar, Weber reivindica a tradição acadêmica e científica da pesquisa histórico-social de seu tempo, mesmo quando de sua contribuição original para essa ciência, a sociologia, que também se desenvolve, independentemente de sua obra, e com base em outros paradigmas, em outros lugares. Ainda que proponha métodos e conceitos suficientemente abrangentes e rigorosos para entronizá-lo como fundador de uma escola, sua obra não produziu influência dessa maneira, mas de outra, mais difusa, e também mais coerente com o sentido que a distinguia das demais.
Weber não formou uma escola, como aconteceu com Marx e Freud, e mesmo com Durkheim. Não teve discípulos diretos, com os quais precisasse retificar constantemente o desenvolvimento de seu próprio paradigma. No entanto, é indubitável que no desenvolvimento da sociologia, tal como vem se realizando desde o início do século, a contribuição weberiana é decisiva, fundamental mesmo, por demarcar um de seus principais paradigmas. Curiosamente, embora Durkheim tenha uma posição análoga à de Weber por ter também contribuído com outro paradigma fundamental, e ao mesmo tempo divergente do dele, não é usual falar atualmente de sociólogos “durkheimianos” ou de uma sociologia “durkheimiana”, e isso quando se sabe que a influência de Durkheim foi mais sistemática que a de Weber, a ponto de ter existido uma “escola durkheimiana” na França, o que nunca ocorreu com Weber, nem mesmo na Alemanha.
A influência da obra de Weber, embora crescente ainda quando ele estava vivo, não era do tipo que possibilitasse uma escola. Mesmo essa influência foi drasticamente interrompida, na Alemanha, 12 anos após sua morte, pela chegada dos nazistas ao poder. Suas principais obras, com exceção de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, permaneceram esgotadas e sem reedições durante quase 20 anos, e em grande parte espalhadas em revistas e periódicos de pouco acesso ao público não germânico. Apesar disso, sua influência foi decisiva em obras que foram publicadas antes da Segunda Guerra, algumas das quais vieram conformar grande parte do quadro atual da sociologia. Entre essas obras, basta citar Ideologia e Utopia, de Karl Mannheim; História e Consciência de Classe, de Georg Lukács; Estrutura da Ação Social, de Talcott Parsons; e Fenomenologia do Mundo Social, de Alfred Schutz.
O weberianismo como contrassenso
Desde aqui já se pode notar a abrangência e o tipo de influência que a obra de Weber começará a exercer. Nenhum desses trabalhos é “weberiano” e, no entanto, todos estão numa relação fundamental com a obra de Weber; em todos eles, também, a posição weberiana é posta em situação de interlocução, de diálogo com outros pensadores-chave; Lukács e Mannheim, de modo diferente e pesos desiguais, põem Weber em relação com Marx, e daí destilam suas contribuições originais; Parsons põe Weber em relação com Durkheim e Pareto; Shutz coloca Weber em relação com Husserl.
Para cada uma dessas posições, enfatiza-se um aspecto da obra de Weber. Pode-se dizer que são Webers diferentes os que saem dessas posições: um Weber subsumido no marxismo hegeliano de Lukács; um Weber que retifica e modera Marx, na sociologia do conhecimento de Mannheim; um Weber fenomenológico, intuicionista, neoidealista, na “síntese” de Shutz. No campo substantivo da influência, a abrangência e a variedade não são menores. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é o rosto mais badalado da influência, mas não é nem a principal nem a mais duradoura, apesar de ter produzido um dos grandes veios polêmicos do século. Weber trabalhou sobre campos extraordinariamente diversos e sua influência acompanha essa diversidade, que vai do direito à sociologia da música, da história econômica à sociologia das religiões, da filosofia da ciência à política alemã. Conceitos como “tipo ideal”, “ação social”, “compreensão”, “autoridade”, “dominação”, “carisma”, “vocação”, “racionalidade”, “burocracia”, “estamentos”, “legitimidade” e muitos outros estão inteiramente orientados, na sociologia contemporânea, pela influência de Weber.
O peso das interpretações pioneiras de Weber, em especial por sua influência sobre toda a sociologia acadêmica mundial, aquela que veio da obra de Talcott Parsons, vem passando por ampla reavaliação crítica há quase cinco décadas. Os resultados dessa reavaliação, que incluiu um renovado interesse dos marxistas por sua obra, têm possibilitado – 90 anos após sua morte – o conhecimento de um Weber muito mais profundo e contemporâneo do que as primeiras interpretações poderiam fazer supor. Não é exagerado afirmar que sua influência, hoje, é comparativamente mais abrangente, mais sistemática e mais rigorosa do que em sua própria época ou em qualquer outra, não obstante manter sua característica de não formar escola. O propalado “weberianismo” é um contrassenso com a própria perspectiva científica de Weber, e o próprio Weber testemunha contra esse equívoco: “Na ciência, sabemos que nossas realizações se tornarão antiquadas em dez, vinte, cinquenta anos. É esse o destino a que está condicionada a ciência: é o sentido mesmo do trabalho científico… Toda realização científica suscita novas ‘perguntas’: pede para ser ‘ultrapassada’ e superada. Quem deseja servir à ciência tem de resignar-se a tal fato”.
A influência de Weber, apesar disso, ultrapassou seus próprios cálculos e merece uma reflexão porque é isso que ainda legitima o emprego de expressões como “weberianismo”. A ciência social carrega a bendita maldição filosófica de sua origem: a política. E como a filosofia e a política, o marxismo e a psicanálise, a sociologia precisa desenvolver-se renovando sempre suas relações teóricas com seus pais-fundadores: a reinterpretação das obras clássicas acompanha e indica esse desenvolvimento, tanto quanto os avanços obtidos nos campos substantivos (empírico e teórico). Não é impossível escrever uma história da sociologia com base na sucessão das reinterpretações de seus clássicos. Essas reinterpretações são tão inesgotáveis quanto sua tendência para avançar para além do que estava originalmente escrito, conferindo-lhe uma nova dimensão, só possível pelo avanço substantivo efetivamente realizado. O que define uma obra como “clássica” é exatamente isto: manter-se contemporânea.
A influência disseminada
Talcott Parsons, cuja obra dominou a sociologia norte-americana por mais de duas décadas (1950-1960) e exerceu – e ainda exerce (embora seja declinante) – influência sobre toda a sociologia acadêmica mundial, travou contato com a obra de Weber ainda nos anos 1930, na Alemanha. Sua tese de doutoramento versava sobre o conceito de capitalismo em Weber e Sombart, o que lhe permitiu preparar o terreno teórico sobre o qual desenvolveria, em 1937, uma original tentativa de síntese sociológica, a primeira elaboração de sua teoria geral da ação. O livro, um grosso calhamaço de mil páginas, intitulado Estrutura da Ação Social, dedicou quase um terço das páginas à interpretação parsoniana de Weber. No entanto, sua apropriação de Weber caracteriza-se pela ênfase posta sobre as normas e valores sociais, em função de sua preocupação em construir as bases de uma teoria da integração social. Se isso lhe permitiu aproximar Weber de Durkheim muito mais facilmente do que é efetivamente possível, facilitou, no entanto, uma apropriação da obra de Weber nos Estados Unidos que, além de incorreta e problemática, enfatizava excessivamente sua utilização conservadora. No entanto, a influência de Weber na sociologia norte-americana, até então pequena, pegou carona no funcionalismo parsoniano e cresceu, até que no fim dos anos 1960 a revisão interpretativa de suas contribuições começasse a ser feita, resgatando-o contra Parsons. Quanto a isso, o pioneiro foi C. Wright Mills, cuja obra reflete uma influência weberiana bastante diferente daquela encontrada em Parsons e sua escola.
Se Parsons procurou aproximar Weber do funcionalismo durkheimiano, Wright Mills fez a aproximação com a tradição marxista, extraindo daí não só uma interpretação, mas um efeito – em suas próprias obras – crítico e politicamente renovador. Mills foi praticamente uma voz isolada numa América conservadora e exposta ao maniqueísmo da Guerra Fria, e uma voz que se calou precocemente (ele morreu aos 47 anos, em 1961). Apesar disso, sua influência na renovação antiparsoniana da sociologia norte-americana dos anos 1970 deveu-se, em grande parte, à extração marxista de sua apropriação de Weber, que lhe permitiu enfatizar, ao contrário de Parsons, os conceitos de classe, de interesse e de conflito. No entanto, ao contrário daquele, Mills jamais tentou uma sistematização conceitual que lhe permitisse construir uma abordagem tão abrangente quanto a parsoniana. Por isso, sua contribuição terminou confinada à sua época.
Lukács, o grande pensador marxista, frequentou assiduamente o Círculo de Heidelberg, que se reuniu na casa de Weber por quase uma década. Nos dois últimos anos da vida de Weber, quando já se tornara marxista, Lukács, ainda sob sua influência, redige alguns dos trabalhos que vão compor seu livro mais célebre. Além de abundantes referências aos trabalhos de Weber, Lukács promove uma inusitada aproximação marxista com a problemática weberiana da “racionalização”, cuja influência posterior não deve ser negligenciada. Mannheim, que foi chamado de “marxista burguês” e de weberiano “marxista” (sic), escreveu suas principais obras entre as décadas de 1920 e 1940. Sua influência, particularmente no campo da sociologia do conhecimento, é decisiva, e tão grande quanto sua pretensão de construir uma ponte entre Weber e Marx que resolvesse algumas das antinomias postas por essa relação. Sua influência sobre Mills permitiu a este se apartar da todo-poderosa interpretação parsoniana de Weber. Do mesmo modo, sua obra permitiu aos funcionalistas manter uma porta aberta ao marxismo (pelo menos nessa área da “sociologia do conhecimento”), como no estudo de Robert K. Merton sobre sociologia da ciência.
No pós-guerra, a influência de Weber alastra-se pela Europa e pela América. Raymond Aron, na França, forja o conceito de “sociedade industrial” e se apoia em Weber para criticar o marxismo. Ralf Dahrendorf, na Alemanha, sob forte influência weberiana, revisa o conceito de classe e, como Aron, substitui capitalismo por “sociedade industrial”, para enfatizar a dimensão mais abrangente (principalmente política) dos conflitos sociais do capitalismo tardio. A sociologia inglesa renova-se com a influência de Weber, principalmente nas obras de John Rex, J. Goldthorpe, David Lockwood, Frank Parkin e Anthony Giddens. Na França, Michel Crozier e Alain Touraine estudam a burocracia e a classe trabalhadora em aberto diálogo com as hipóteses weberianas, e Pierre Bourdieu reinterpreta Weber em seus trabalhos de sociologia da cultura.
Apesar da forte influência de Parsons, a sociologia norte-americana reencontrou Weber de diversas maneiras, desde o pós-guerra até hoje. Obras muito importantes como as de Seymour M. Lipset, Reinhardt Bendix, Robert Bellah, Clifford Geertz, Randall Collins e S. Eisenstadt, entre outros, foram desenvolvidas em constante recuperação e reinterpretação das hipóteses weberianas. Tendências que aparecem na época da Guerra Fria, como a sociologia fenomenológica, a etnometodologia, a sociologia radical, o interacionismo simbólico, retomam Weber exatamente onde Parsons o havia recalcado: no seu “idealismo”, na sua “sociologia compreensiva” e nas minuciosas questões metodológicas.
Em compensação, o “materialismo” de Weber é recuperado pelo marxismo do pós-guerra, que antes lhe havia reservado a indiferença dogmática ou o ataque superficial. Essa indiferença não existiu nos clássicos do marxismo, mas tornou-se dominante no período stalinista. Kautsky, Bukhárin, Rosa Luxemburgo, Gramsci, Lukács e Max Adler citam Weber e quase sempre em apoio às suas próprias ideias. Mas o conhecimento da obra de Weber era ínfimo, se comparado ao que os marxistas contemporâneos passam a ostentar a partir dos anos 1960. A influência de Weber na Escola de Frankfurt é reconhecida e bastante significativa, principalmente na obra de Habermas. A crítica superficial foi abandonada e o rigor com que muitos marxistas reavaliam a obra de Weber não fica nada a dever ao ostentado pelos “weberianos”.
Uma verdadeira história das reinterpretações de Weber e de suas disputas teria, agora, que descer ao campo temático e conceitual. Acompanhar a disputa dos conceitos, a detecção de suas ambiguidades originais, o aparecimento de novos problemas sobre os escombros de problemas que pareciam resolvidos, enfim, teria de ser uma história da constante reatualização de Weber, como a feita brilhantemente por Wolfgang Schluter nas últimas décadas. Aqui entrariam, por exemplo, a penetrante e nem sempre admitida influência de Weber sobre as obras seminais de Norbert Elias e Michel Foucault, apenas para citar dois nomes que continuam em evidência. Naturalmente, isso não pode ser feito aqui. De qualquer modo, será feito por cada sociólogo, em sua área específica de atuação. Isso será inevitável sempre que se descobrir que o sociólogo “weberiano” se dedica a uma coisa “que na realidade jamais chega, e jamais pode chegar, ao fim”.
Michel Misse é professor de sociologia da UFRJ

Fonte:http://revistacult.uol.com.br/home/2011/01/existe-uma-sociedade-weberiana/

Auguste Comte


Ilustração: André Toma
A maioria dos seres humanos, por ser dominada pela afetividade, poderia ter sua existência moldada conforme as exigências da doutrina social do “progresso dentro da ordem”
Lelita Oliveira Benoit
Seduzido pela personalidade do nobre decadente Henri de Saint-Simon (1760-1825), Auguste Comte aceitou ser, a partir de 1817, seu secretário particular por uma quantia mensal de 300 francos. Contudo, logo após o início da colaboração, começou a se desenhar o desentendimento entre o mestre e o discípulo. O jovem secretário tinha como tarefa transformar em textos o pensamento do mestre. No entanto, começou a desenvolver ideias próprias, entrecruzando-as com aquelas que deveria reproduzir. É dessa época a primeira e mais sintética fórmula positivista: “Tudo é relativo, eis o único princípio absoluto”.
As raízes contraditórias do positivismo
Foi também nesses anos de juventude que Comte escreveu um texto, até hoje pouco conhecido, intitulado A Indústria (1817). Não era um texto qualquer. O jovem escritor Comte, em estilo límpido, desenhou o projeto esperado pelo mestre Saint-Simon. Acreditava que somente aprofundadas reflexões políticas, seguidas da elaboração de um plano de “reorganização social”, poderiam erradicar a anarquia que, tendo começado em 1789, com a Revolução Francesa, permanecera até o início do século 19. A Indústria deveria se tornar a primeira pedra do edifício de uma nova e grande Enciclopédia destinada a guiar a reorganização social futura em bases não anarquistas. Em A Indústria, encontram-se reflexões que anunciam a doutrina socialista posterior (como o projeto do planejamento da economia), entrecruzadas a conceitos já propriamente do relativismo positivista. Esse projeto foi abandonado por Comte logo em 1819, mas iniciava-se ali a autêntica história da filosofia positivista.
Ainda naqueles anos de juventude, Comte escreveu outro ensaio, bem mais célebre, no qual são desenvolvidos princípios positivistas. Intitulava–se Plano dos Trabalhos Científicos Necessários para Reorganizar a Sociedade (1822) ou, simplesmente, Opúsculo Fundamental. Desenha-se, nesse ensaio, um vasto plano para reorganizar a sociedade francesa mergulhada na crise e na anarquia posteriores à Revolução Francesa. Após aprofundadas reflexões sobre a natureza espiritual da crise europeia, Comte procura se fazer escutar pelos cientistas que, conforme pensava, constituíam a única autoridade respeitada na Europa decadente, sendo o único poder capaz de dirigir a reorganização social, para convencê-los a tomar em mãos o poder social ou, nas palavras de Comte, ensinar-lhes “a tratar a política de maneira positiva”.
Elabora então Comte, pela primeira vez, o mais célebre de todos os seus conceitos, a teoria ou lei dos três estados. Segundo o positivismo, o espírito humano necessariamente se desenvolveu no decorrer de três fases ou estados: o teológico, o metafísico e o positivo. A expressão “o espírito humano” significa, bem restritamente, “conhecimento científico”. Assim sendo, ao se referir aos três estados do espírito humano, Comte nos remete, acima de tudo, a certas fases da história das ciências. A lei dos três estados, assim concebida, seria um conceito filosófico “compreensível para os cientistas”. De forma sintética, Comte expõe-lhes a história do espírito humano, como se segue: “Pela própria natureza do espírito humano, cada ramo de nossos conhecimentos está necessariamente obrigado, em sua marcha, a passar sucessivamente por três estados teóricos diferentes; o estado teológico ou fictício; o estado metafísico ou abstrato; enfim, o estado científico ou positivo”.
O estado teológico permaneceu enquanto a humanidade, por meio de seus sábios, fazia poucas observações realmente positivas, ou seja, fundadas em observações efetivas dos fenômenos naturais. Como então os fatos conhecidos eram poucos, somente era possível ligá-los por meio de “fatos inventados”. Desse modo, naquele estágio inicial das ciências, para explicar as leis que regem os fenômenos naturais, os sábios recorreriam a “agentes sobrenaturais”. Mas, de qualquer modo, ao menos provisoriamente, as explicações teológicas ajudaram a inteligência humana a sair do estado de torpor e debilidade, próprio da ignorância primitiva, e se aventurar em novas observações, em busca de novos conhecimentos.
O segundo momento ou estado do desenvolvimento das ciências é chamado pelo positivismo de “metafísico” e teria um “caráter bastardo”. Aliás, a palavra “bastardo” parece bastante adequada para qualificar o estado metafísico: diz-se que é bastardo aquilo que é híbrido, que resulta, como nos conhecimentos metafísicos, de enunciações que entrecruzam ideias teológicas com ideias positivistas. Na história do espírito humano, o estado metafísico teria ocorrido quando a ciência fazia tentativas de ligar os fatos por meio de ideias que não são completamente sobrenaturais, mas que não são inteiramente naturais e que são causados por “entidades ou abstrações personificadas”. Por exemplo, para explicar os fenômenos observados no mundo físico, orgânico e bruto, os sábios metafísicos recorrem à natureza, ou seja, a uma espécie de entidade metafísica ou abstração personificada, relativa ao conjunto dos fatos físicos. Na verdade, escreve Comte, o espírito humano, quando no estágio metafísico, se bem que procurando limitar a absurda pretensão de tudo conhecer, restringindo-se aos fatos observáveis, ainda assim tem injustificáveis ambições de conhecer “pelas causas absolutas”.
O que caracterizaria o último estado teórico – o estado positivo – seria que, em sua vigência, os sábios passam a admitir que há limites intransponíveis para a capacidade humana de conhecimento. Imbuídos de tal genuíno espírito positivo, explica-nos Comte, os sábios pretendem, no exercício da ciência, apenas conhecer o que está dado – os fatos e suas leis positivas –, sem se preocupar com a explicação pelas causas e os fins últimos. Desse modo, o conhecimento científico não poderia avançar além de limites claramente estabelecidos, ou seja, nada se poderia conhecer senão as leis de coor-
denação e sucessão dos fenômenos naturais, deduzidas dos fenômenos observáveis.
Segundo Comte, o estado positivo seria o definitivo; tendo-o atingido, o espírito humano não alcançaria patamar mais elevado. Aliás, a história do desenvolvimento progressivo das ciências seria ela própria um fato positivo e observável na história interna de cada ciência. Teria sido com base nessas observações epistemológicas que o positivismo pôde estabelecer a própria lei dos três estados.
Portanto, os estados do espírito humano reduzem-se a modos ou métodos de conhecimento, e a lei dos três estados da ciência foi pensada por Comte, antes de tudo, como uma categoria epistemológica, ou seja, relativa à filosofia das ciências. Como veremos a seguir, é sobre esse fundamento epistemológico que é pensada e construída a física social ou sociologia, nas páginas da obra mais importante de Comte, publicada em quatro volumes, o Curso de Filosofia Positiva (1830-1842).
As raízes biológicas da doutrina positivista do “progresso dentro da ordem”
Refletindo sobre a filosofia positivista, Herbert Marcuse, em seu livro Razão e Revolução, observa que, do ponto de vista da filosofia ocidental, desde os gregos, a expressão “filosofia positivista” não passa de uma contradição nos termos, pois nela desaparece o conteúdo negativo que sempre foi o cerne da filosofia ocidental. Nesse sentido, física social ou sociologia nada mais são do que a continuidade da filosofia positivista; as três palavras recobrindo um único significado: a afirmação daquilo que é, sem sombras negativas, sem obscuridades. Portanto, podemos dizer que o Curso de Filosofia Positiva concretiza o plano filosófico destinado aos cientistas da Europa, sendo ao mesmo tempo a exposição da física social e da sociologia. Já em sua juventude, Comte tinha lido e discutido o célebre livro Esboço para um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano, escrito por seu antecessor e inspirador, o teórico e ativista da época do Iluminismo Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet (1743-1794).
Com base nos conceitos condorcetianos, vinha construindo uma das pedras fundamentais do abrangente campo teórico do positivismo, o conceito de desigualdade. Mas o olhar comtiano, de qualquer modo, manifestava a gênese do declínio do século 18. Segundo comenta Comte, seria necessário abandonar as teses revolucionárias de Condorcet sobre o desaparecimento da desigualdade, por meio de novas revoluções, posteriores à Revolução Francesa. Na verdade, escreve Comte, os seres humanos são, entre si, naturalmente desiguais e assim deve permanecer a sociedade por eles formada, em todas as épocas.
Mas esse “natural”, que determina o caráter de imutabilidade da desigualdade, é muito mais a manifestação de um dado fisiológico do que uma constatação pura e simples de uma realidade social. Na verdade, para Comte, a desigualdade tem sua fonte na natureza fisiológica do homem e assim se torna objeto privilegiado de uma nova ciência. Até agora, existiu uma “física dos corpos brutos” (ou seja: a astronomia, a física propriamente dita, e, em certo sentido, a química) e uma “física dos corpos organizados” (ou seja, a biologia, como história natural, fisiologia e anatomia). Contudo, no século 19, transpassado por permanente anarquia política, se colocava uma física social como estudo das leis imutáveis da sociedade, ou seja, as “leis do progresso dentro da ordem”.
Em outras palavras, isso quer dizer que, como totalidade orgânico-biológica, a sociedade deve ser objeto de uma ciência positiva e ser estudada com a mesma objetividade e neutralidade com que os astrônomos, físicos, químicos e biólogos tratam seus respectivos objetos. Contudo, somente a partir de 1830, com os quatro volumes do Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), esse vínculo entre a desigualdade-cérebro se revela nos textos de Comte com peso determinante.
Naqueles anos de juventude de Comte, viajava pelo Europa um famoso médico e anatomista austríaco, Franz Joseph Gall (1758-1828), ministrando aqui e ali cursos de fisiologia e anatomia e chegando a certas conclusões que eram consideradas contrárias à religião cristã. Em suas aulas, Gall demonstrava que as funções fisiológicas do cérebro podem ser descritas como sendo a sede das faculdades intelectuais e morais. A cranologia e sua “teoria das localizações”, que mais tarde serão chamadas de frenologia por Forster e Spurzheim, foi inteiramente desenvolvida por Gall. Ironicamente comentou Hegel, na Fenomenologia do Espírito (1806), que os frenólogos, entre os quais Gall, pensavam que “a razão é um osso”. Recomenda Hegel que os frenólogos abrissem seus próprios crânios para verificar a veracidade de tais afirmações! Ironia à parte, Comte entusiasmou-se com a frenologia, expondo uma versão particular dessa doutrina no Curso de Filosofia Positiva. A frenologia aparece ali como fundamento da classificação social ou da ordem social.
Na “Lição 45” do Curso de Filosofia Positiva, Comte expõe a teoria frenológica de Gall, que considera de valor decisivo para o progresso da biologia. A frenologia, como nos explica Comte, era uma tentativa de estudar, do ponto de vista positivo, “a inteligência humana”. De fato, segundo Gall, as faculdades intelectuais e morais teriam origem orgânica, devendo, por conseguinte, ser objeto dos estudos fisiológicos.
É fácil imaginar o escândalo causado então pela frenologia. De acordo com os ensinamentos de Gall, não existiria, propriamente falando, o “eu”, a “consciência”, a “alma” ou qualquer outra forma de subjetividade humana. Cada capacidade intelectual ou sentimento moral seria, segundo Gall, de natureza puramente fisiológica, constituindo diversos “órgãos cerebrais” contíguos, mas distintos entre si. A unidade a que chamamos “eu”, “alma”, “consciência” seria, portanto, uma ilusão ou tão somente fantasmas metafísicos. Na verdade, tais unidades metafísicas nada têm de misteriosas, sendo explicáveis como sendo o resultado da participação conjunta, nos nossos atos morais e pensamentos, de diversos órgãos cerebrais.
Desde a juventude, nas cartas ao amigo Valat, Comte manifestou grande entusiasmo pela obra de Gall e acreditou que, com o advento da teoria frenológica, começava se apagar o último vestígio da metafísica ocidental, de Descartes em diante. Com as descobertas frenológicas, também o estudo das faculdades intelectuais e morais do homem teria chegado ao seu estado positivo, escreveria Comte nas obras de maturidade, ou seja, no Curso de Filosofia Positiva e também no Prefácio do Sistema de Política Positiva (1851-1854).
Havia, contudo, divergências entre os frenólogos, a principal delas aquela relativa às “localizações das faculdades humanas”. O próprio Comte toma partido em uma dessas polêmicas, sobre a existência de um “órgão do roubo”. O desejo inato de se apropriar das coisas alheias – escreve Comte – “é uma aberração do sentimento da propriedade, este sim, verdadeiramente natural ao homem”. De qualquer modo, Comte acreditava que, no futuro, quando as análises anatômicas do cérebro fossem mais precisas e sofisticadas, com certeza poderíamos então definir exatamente a localização fisiológico-cerebral dos sentimentos morais e das capacidades intelectuais humanas.
De acordo com os estudos anatômicos de Gall, tinha sido possível saber, sobretudo, que as faculdades propriamente humanas – as faculdades intelectuais –, se comparadas ao restante da escala animal, seriam as mais fracas entre todas. Segundo a frenologia, como nos explica Comte, a porção mais volumosa e animal do cérebro humano localiza-se na parte posterior do crânio. Ora, exatamente como ocorreria nos outros animais superiores, aquela parte maior do cérebro seria o simples prolongamento da coluna vertebral. Com essa descoberta frenológica, seria possível concluir que, nos seres humanos, como ocorre nos outros animais superiores, a sede dos sentimentos morais ou afetividade localiza-se na região cerebral posterior e mais volumosa. Em contrapartida, a parte do cérebro “mais humana”, que se localizaria na região frontal do crânio, além de menos volumosa, seria também, segundo a expressão de Comte, a menos enérgica. Segundo Gall e seu discípulo Comte, naquela região cerebral de menor extensão e de atividade mais fraca é que estariam localizadas as faculdades intelectuais superiores.
A estática sociológica ou teoria positiva da ordem
Fundamentando-se em tais questionáveis descobertas da teoria frenológica das localizações cerebrais, Comte desenvolveu conceitos centrais da estática sociológica (ou teoria positiva da ordem). No Curso de Filosofia Positiva, ele afirma que a maioria dos seres humanos jamais desenvolverá a parte frontal – e mais humana – do cérebro e, além disso, sede das faculdades intelectuais superiores. A maioria ficará limitada eternamente aos desenvolvimentos da afetividade e dos sentimentos morais, cujos órgãos estão localizados na região cerebral posterior, mais volumosa e mais animal.
Esse estado pouco definido entre a animalidade e a humanidade, no qual se encontraria a quase totalidade dos seres humanos, não era, contudo, segundo Comte, algo que devesse causar preocupações. Do ponto de vista da harmonia, ou seja, da ordem social, na verdade, era bom que assim fosse. A maioria dos seres humanos, por ser dominada pela afetividade, poderia ter sua existência moldada conforme as exigências da doutrina social do “progresso dentro da ordem”. Por outro lado, a “elite da humanidade”, constituída pelo número reduzido daqueles que teriam desenvolvido a parte frontal do cérebro, deveria se dedicar às atividades intelectuais do raciocínio, vez ou outra fornecendo à sociedade “novos Sócrates, Homeros ou Arquimedes”.
Não é estranho, portanto, que, pouco a pouco, entrelaçando verdades positivas desse e de todo tipo, a sociologia comtiana tenha se transformado em religião da humanidade, nos anos posteriores a 1848. O começo contraditório abandonado afinal se relacionou com o fim dogmático, ou como escreveu Alfred de Vigny, o poeta predileto de Comte: “O que é uma grande vida? É um pensamento da juventude realizado na idade madura”.
Lelita Oliveira Benoit é professora de filosofia do
Centro Universitário São Camilo

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2011/01/auguste-comte/