domingo, 31 de outubro de 2010

De Carlos Moura, com carinho, para Noblat


Publico a carta aberta de Carlos Moura (aposentado, fotógrafo, redator de jornal de interior, sócio de uma pequena editora de livros clássicos e coordenador da Ação da Cidadania em Além Paraíba-MG) para o jornalista de “O Globo” Ricardo Noblat.

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Noblat

Quem é você para decidir pelo Brasil (e pela História) quem é grande ou quem deixa de ser? Quem lhe deu a procuração? O Globo? A Veja? O Estadão? A Folha?

Apresento-me: sou um brasileiro. Não sou do PT, nunca fui. Isso ajuda, porque do contrário você me desclassificaria, jogando-me na lata de lixo como uma bolinha de papel. Sou de sua geração. Nossa diferença é que minha educação formal foi pífia, a sua acadêmica. Não pude sequer estudar num dos melhores colégios secundários que o Brasil tinha na época (o Colégio de Cataguases, MG, onde eu morava) porque era só para ricos. Nas cidades pequenas, no início dos sessenta, sequer existiam colégios públicos. Frequentar uma universidade, como a Católica de Pernambuco em que você se formou, nem utopia era, era um delírio.

Informo só para deixar claro que entre nós existe uma pedra no meio do caminho. Minha origem é tipicamente “brasileira”, da gente cabralina que nasceu falando empedrado. A sua não. Isto não nos torna piores ou melhores do que ninguém, só nos faz diferentes. A mesma diferença que tem Luis Inácio em relação ao patriciado de anel, abotoadura & mestrado. Patronato que tomou conta da loja desde a época imperial.

O que você e uma vasta geração de serviçais jornalísticos passaram oito anos sem sequer tentar entender é que Lula não pertence à ortodoxia política. Foi o mesmo erro que a esquerda cometeu quando ele apareceu como líder sindical. Vamos dizer que esta equipe furiosa, sustentada por quatro famílias que formam o oligopólio da informação no eixo Rio-S.Paulo – uma delas, a do Globo, controlando também a maior rede de TV do país – não esteja movida pelo rancor. Coisa natural quando um feudo começa a dividir com o resto da nação as malas repletas de cédulas alopradas que a União lhe entrega em forma de publicidade. Daí a ira natural, pois aqui em Minas se diz que homem só briga por duas coisas: barra de saia ou barra de ouro.

O que me espanta é que, movidos pela repulsa, tenham deixado de perceber que o brasileiro não é dançarino de valsa, é passista de samba. O patuá que vocês querem enfiar em Lula é o do negrinho do pastoreio, obrigado a abaixar a cabeça quando ameaçado pelo relho. O sotaque que vocês gostam é o nhém-nhém-nhém grã-fino de FHC, o da simulação, da dissimulação, da bata paramentada por láureas universitárias. Não importa se o conteúdo é grosseiro, inoportuno ou hipócrita (“esqueçam o que eu escrevi”, “ tenho um pé na senzala” “o resultado foi um trabalho de Deus”). O que vale é a forma, o estilo envernizado.

As pessoas com quem converso não falam assim – falam como Lula. Elas também xingam quando são injustiçadas. Elas gritam quando não são ouvidas, esperneiam quando querem lhe tapar a boca. A uma imprensa desacostumada ao direito de resposta e viciada em montar manchetes falsas e armações ilimitadas (seu jornal chegou ao ponto de, há poucos dias, “manchetar” a “queda” de Dilma nas pesquisas, quando ela saiu do primeiro turno com 47% e já entrou no segundo com 53 ) ficou impossível falar com candura. Ao operário no poder vocês exigem a “liturgia” do cargo. Ao togado basta o cinismo.

Se houve erro nas falas de Lula isto não o faz menor, como você disse, imitando o Aécio. Gritos apaixonados durante uma disputa sórdida não diminuem a importância histórica de um governo que fez a maior revolução social de nossa História. E ainda querem que, no final de mandato, o presidente aguente calado a campanha eleitoral mais baixa, desqualificada e mesquinha desde que Collor levou a ex-mulher de Lula à TV.

Sordidez que foi iniciada por um vendaval apócrifo de ultrajes contra Dilma na internet, seguida das subterrâneas ações de Índio da Costa junto a igrejas e da covarde declaração de Monica Serra sobre a “matança de criancinhas”, enfiando o manto de Herodes em Dilma. Esse cambapé de uma candidata a primeira dama – que teve o desplante de viajar ao seu país paramentada de beata de procissão, carregando uma réplica da padroeira só para explorar o drama dos mineiros chilenos no horário eleitoral – passou em branco nos editoriais. Ela é “acadêmica”.

A esta senhora e ao seu marido você deveria também exigir “caráter, nobreza de ânimo, sentimento, generosidade”.

Você não vai “decidir” que Lula ficou menor, não. A História não está sendo mais escrita só por essa súcia de jornais e televisões à qual você pertence. Há centenas de pessoas que, de graça, sem soldos de marinhos, mesquitas, frias ou civitas, estão mostrando ao país o outro lado, a face oculta da lua. Se não houvesse a democracia da internet vocês continuariam ladrando sozinhos nas terras brasileiras, segurando nas rédeas o medo e o silêncio dos carneiros.

Carlos Torres Moura

Além Paraíba-MG

FONTE: http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/de-carlos-moura-com-carinho-para-noblat.html

Participação política é sinônimo de qualidade democrática?


Nem sempre!
Após muito tempo sem publicar sequer algum artigo para o blog, aproveito do tempo e dos infinitos assuntos, passados e recentes, que me vieram à cabeça nesse tempo ocioso.
O que tenho para esse artigo é tratar de uma questão que se transfigura como um mito em nosso sistema político: a idéia de que a participação é sempre benéfica para a democracia. Fica claro então minha postura anti voto obrigatório.
O foco aqui é o Parlamento Jovem, em sua plenária Estadual, que ocorreu em setembro, mês passado. Pretendo debruçar sobre os objetivos deste e da sua idéia de atrair os jovens estudantes para a esfera política, suas idéias, jogos de interesse, etc.
O projeto Parlamento Jovem é uma iniciativa da Assembléia Legislativa de Minas Gerais com a Universidade Católica (MG) e com as Câmaras Municipais de outras cidades, e colégios particulares e públicos. A intenção do projeto é levar aos jovens estudantes conceitos sólidos de cidadania, participação, democracia, república, entre outros temas que circunscrevem a esfera política nacional. Muitas palavras giram em torno de trazer o jovem estudante, aquele que se dizem apáticos, para o mundo da política.
Deixo claro que fui monitor de uma das escolas desse projeto, e pude perceber que os jovens aprenderam que as idéias políticas fogem de sua realidade. O Brasil não é democrático, não é republicano. O poder emana do povo, mas não é sem nome que ele é exercido.
Não que isso seja totalmente um aspecto negativo em questão de aprendizado, uma vez que esses jovens tenham consciência de que no cenário atual a sociedade civil e o povo têm certa parcela de culpa e que é somente esses dois que podem mudar alguma coisa.
Contudo, como combinado, focarei agora no tema principal, participação e qualidade democrática, visando à participação dos jovens na plenária final.
Na plenária final os jovens estudantes levaram suas propostas para serem apresentadas, discutidas e votadas. As propostas finais serão encaminhadas para a Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa de Minas para avaliarem o alcance e validade das propostas.
Pois bem, os estudantes levaram as propostas, discutiram sobre elas e por fim fizeram à votação. A priori isso tudo foi uma linda "festa da democracia", termo que muitos gostam de dizer por ai. Eu particularmente não aderi a esse termo ainda e nem pretendo aderir. Uma ação de grande responsabilidade colocada nas mãos desses jovens não é?! Eles foram selecionados para representarem cidadãos de suas cidades e do Estado em geral, propondo leis que atenderiam as carências ambientais de Minas Gerais. Sendo assim, o mínimo que poderíamos exigir deles e da comissão que organizou tal projeto é responsabilidade e calculismo na hora de discutirem e aprovarem as propostas de lei. O fato de eles serem jovens não tira o peso dessa iniciativa de suas costas. Mas, infelizmente não foi isso que aconteceram, por vários motivos.
Um deles, o qual atribuo a organização do projeto, foi do tempo ao qual os jovens ficaram a disponibilidade dessas atividades. Foram cerca de 5 horas de debate e votação, estourando todo o limite dos jovens, os quais já se encontravam desgastados nas 3 primeiras horas. O desgaste levou alguns jovens de desistirem de suas argumentações, a fim de encerrar o mais rápido a plenária. Recomendaria que a plenária fosse realizada em mais de um dia. Esse é o primeiro ponto que analiso, mostrando que, conscientes de que uma boa proposta de lei, que atenda a totalidade do Estado deva ser discutida a fundo, visando sempre alcançar as potencialidades máximas da mesma deixou a desejar nesse quesito.
Um outro ponto que optei por tratar acerca desse tema é do interesse do jovem e de sua consciência de estar numa plenária representando um Estado, e não pelo simples motivo de fazer desse momento mais um momento de graça de sua vida, de um simples passeio a capital, etc, etc. Infelizmente esse foi um caso que puder notar em algum dois participantes, observando suas atitudes no decorrer da plenária.
Alguns faziam piadas para outros provocando o riso e logo a descontração. Outros eram mais "ousados" chegando a fazer "gracejos" no microfone que era aberto a quem argumentaria acerca de uma proposta.
Não foi minha intenção criticar a postura dos jovens estudantes e muito menos da organização do projeto, pois acredito ser uma iniciativa muito inteligente para aproximar os jovens da política. Posso até colocar todos esses fatos como também sendo de nossa responsabilidade (monitores), pois fomos às pessoas que mais estivemos presentes ao lado desses jovens no andamento do projeto.
Esses são os dois elementos que podem fundamentar minha posição acerca desse tema. Claro que é um pequeno esboço do que pretendi tratar, mas que pode se pensado num espaço macro, confirmar a dicotomia entre participação e qualidade democrática.